segunda-feira, 17 de junho de 2019

A mordida



-Nunca acreditei em espíritos. Nasci em uma casa muito religiosa, mesmo assim jamais fui religioso. Não acreditava em nada, quer fosse duendes, trolls, papai Noel, ou fadas. Na escola eu era um bom matemático. Guardei alguns amores nesse tempo. Os amigos, como sempre, eram todos brincalhões. Começaram com a história da loira do banheiro.

- Não acredito nessas coisas bobas.

- Se não acredita, vai no espelho, chama pela loira do banheiro três vezes. Se você for corajoso é claro.

E lá ia eu com meu penteado de boi lambeu, minhas roupas engomadas, ficar na frente do espelho rachado do banheiro da escola e falar o que eles disseram. Nada acontecia. E mais incrédulo eu era com todas essas bobagens.

Fiquei ouvindo as lendas e histórias que meus amigos contavam ao redor da fogueira, quando  íamos caçar. Já não éramos crianças. Eu gargalhava muito com a superstição tola deles, um viu um saci, o outro foi perseguido por um caipora. Um havia levantado para tomar água e viu de relance na janela a figura de um lobisomem. E outro jurava que uma sereia tentará arrastar seu barco para o fundo do oceano.

Ouvia com gosto essas histórias. Tolas, sinceras, vinda de gente que acreditava mesmo no que estava contando. Eu estava acostumado a falar um provérbio que inventei: de tanto contarem esses causos vocês já tão acreditando que são verdadeiros.
Eles debochavam de mim.

Não me casei. Morava sozinho em uma casa muito bonita. Um dia, peguei uma maçã e coloquei no quarto para depois comer antes de dormir. E pensei em voz alta, "já imaginou, algum espírito, ou ser, vir dar uma mordida nessa maçã?"
Abanei a cabeça, diante da tolice que estava pensando. Fechei a porta, e fui no banheiro.

 Quando voltei a maçã estava com uma mordida.

Imagino que tenha sido um rato.
Talvez.

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