domingo, 15 de setembro de 2019
Vejo
Vejo nos teus sonhos
múrmurios de limão que se abrem
entre vespas e moscas, abelhas e mel,
vejo no capim agreste a minha alma
refletida depois de cortar cana, depois
de sentir a dor da inga, depois de ver
que não sou quem eu imaginava ser,
e agora, vejo, morto nos teus olhos,
os meus olhos de cão sem rumo,
e pela primeira vez entendo a dor
que Deus sente, porque nós somos a dor,
e por isso carrego os espinhos das rosas
crucificado em minhas mãos, soluçando
salvação e perdão, sem saber o motivo
de estar sentado ou trabalhando, estudando
para que as coisas continuem do mesmo
jeito que foram, porque a mudança é
um temível reflexo espelhado da lua.
Não são as horas de percebermos o que
está acontecendo com nossas almas de
lamparina? Eu mesmo sei que posso
dizer tudo o que quero mais não posso
controlar o meu destino, porque esse tempo
não é meu, porque sou apenas um homem,
e vejo em teus cabelos loiros a minha irã,
a minha dor, a minha traição de bode,
os meus cabelos de judeu africano que
caminha pelas veredes de um deserto onde
não há sol para se vender, nem luas para se
comprar, penchinchando o meu amor pelas
ruas esburacadas dessa cidade, me oculto
sem saber o que estou querendo, porque
não encontro gente, nem luz, nem esperança,
quebrei o jarro que estava ali, deixei os deuses
de pedra moidos pelas minhas mãos, me embruteci,
agora eu sei que tudo o que eu fiz foi a destruição,
mais não me arrependo, nem canto, não fecho
os olhos, nem penso que o destino trará algo que
a felicidade não tenha me mostrado porque fui
feliz, eu sempre sou feliz, eu só posso escrever
sendo feliz, porque se estou triste, não consigo
pegar na caneta, não tenho força nos ossos para
me levantar nem força nos olhos para abrir um
livro, me sinto morto quando a tristeza me atravessa
a alma, e percebo que a minha tristeza é o caminho de
toda a humanidade humana,
quem entenderia essas coisas se não você, meu amigo
boris pasternak, e eu sei que w.b. yeats me traria um
ótimo conselho de setembro,
sei que nesse momento neruda iria levantar um copo
e diria em sua voz embriagada de amor pelo chile
camarada, sente-se aqui comigo, ainda há esperança,
e como maiakovsky iria me mostrar ferros se transformando
em corações e mariposas,
sei que quando eu visse essas coisas que eu vejo em ti,
rimbaud me saudaria entre os muros e os livros e em silencio
me diria pode entrar na cidade, você é bem vindo, aqui está
tenez ce livre avec votre âme et vous verrez tout ce que vous voulez,
e eu iria compreender as coisas que não compreendo,
percebendo quando t.s. eliot lesse seus versos para a cidade calada,
quando elizabeth bishop estivesse olhando a natureza com os seus
olhos neutros de anglo-saxão apaixonado pela latinidade e pela miseria,
e nos segredos de todas as coisas, jorge de lima sorriria para mim como um arcanjo
e me levaria até o trono de lorca, onde ciganos brancos e pretos com harpas
tocariam uma sonata composta por murilo mendes e críticada pela austral
capacidade de joão cabral de melo neto decidir as composições e tudo,
e eu vejo que o tempo passa, meus profetas, o tempo que eu não consigo
segurar com as mãos me escapa como uma rede nos olhos de um peixe,
e a sombra me segue e eu sinto cansaço, sede, e dor nesse deserto,
e eis que vieram os anjos e o serviram,
e depois de tudo isso eu vi que o sol me queimou
e que nada era verdade, porque a vida é uma mentira,
e tudo se encerra com a luz da morte.
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