[Itanhaém]
Cheio de poemas
passei noites e dias sem escrever,
sem ver os seus olhos orientais, sem sentir
o cheiro suave da boca do teu perfume.
Passei os dias aflito de alegria,
triste de coração como uma pedra, cheio do fogo de Deus,
envolto no silêncio, os livros imóveis, as pessoas rindo,
o cheiro da casa em construção,
o relâmpago do mar enjoativo
repetindo suas ondas, as tantas pessoas,
as lindas negras, a beleza do povo negro.
Eu estava ali no litoral cheio de poemas,
levando o anátema da maldição de todos os poetas,
velando minha barba judaica cheia de orações,
falando hebraico e hinos evangélicos.
Comemorando o fim de um ano amargo
como o gosto da uva amarga.
Não, nada era amargo, a não ser tua
distância, a não ser o teu silêncio de nuvem.
E por quê?
Porque eu estava cheio de poemas, fantasmas,
lembranças, amores,
vozes, pássaros, flores,
oceanos, nuvens, sonhos,
desejos irrealizados, papéis.
Era Itanhaém, é claro que era,
assim como era meus pais, meus tios,
meus amigos, e tudo o que me buscava
enquanto atravessávamos o rio formado
pela enchente nas ruas alagadas de água.
Quantas baratas saindo pelos buracos,
sapos cantando, rãs acasalando, mosquitos
terríveis tirando o nosso sangue de pedra e areia.
E todo o bosque em nossa volta,
todo barulho, todo silêncio,
todo calor e frio ofuscando
os nossos olhos de fumaça,
a carne sendo assada na
churrasqueira ou sendo
secada pelo sol, o uso do
chuveiro, as brigas qual queres...
Cheio de poemas,
cheio de gente, de pele negra, branca,
cheio de gente, olhos puxados, estrelas,
cheio e ao mesmo tempo solitário e feliz.
Feliz? Para que felicidade?
Morte? E para que a vida?
E assim nasce a poesia: poesia, pois é, apenas poesia!
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