A NECESSIDADE DA POESIA
Acordo às nove horas da manhã,
levanto, tomo meu banho,
minha esposa já arrumou minhas
coisas na bolsa, na mochila estão!,
então, abro a porta: saio para
o trabalho.
Paro no ponto de ônibus por
alguns instantes esperando
o ônibus conduzido por um
motorista, um homem, meu
semelhante, que não responde
meu "boa tarde" nem meu bom
dia...
Vislumbro nos outros bancos
meus outros semelhantes,
e noto, muitas mulheres
também estão trabalhando.
Trabalho, atendo muitas pessoas,
e, de alegrias e dores, vou
compondo meu dia assim,
sem significado algum,
sem Baudelaire, sem Drummond,
sem Tom Jobim, sem Schopenhauer.
Volto para casa cansado.
No meio da rua outros semelhantes
jogados, no frio e no esquecimento.
Lá em cima, no céu, meu Deus, no céu,
as estrelas brilham sem se importar
com nada disso.
As calçadas são frias, os prédios são
frios e imensos, os pedintes e os
assaltantes em cada esquina,
mas, aquela menina correndo
com as nádegas duras e grandes,
e seus seios grandes iguais melancias,
excitam os olhos de um homem.
Eu sou esse homem: simples.
Meu cabelo cortado, uso um tênis.
A lua crescente no céu é pálida.
As noites são escuras e pálidas.
Meu Deus, a vida é pálida.
Chego, a janta posta na mesa,
ligo o netflix, assisto qualquer coisa.
E então pego o lápis, a caneta,
o papel sobre a mesa também
está e componho: a poesia é necessária como antes.
SENTIMENTO DO MUNDO
É preciso, meu filho, sentir,
sentir as coisas, sentir tudo,
sentir medo, sentir dor,
sentir amor, sentir gozo,
antes de mais nada é preciso
sentir, sentir o fim do mundo,
sentir a angústia, sentir o outro,
é preciso sentir tudo, é preciso
sentir, antes de mais nada,
sentir o mundo, sentir o ambíguo,
sentir o não sentir, é preciso
sentir o existir.
A NEGRA
Quando escuto o cantar dos pássaros
abrindo a janela e os camelos debaixo da agulha,
vejo o pôr do sol dos seus olhos, brilhantes,
e do outro lado do mundo do Japão penso
que ela é perfeita, que seus seios enormes
são a única coisa que me aquece mais que o Sol.
Então adormeço pálido dentro da lembrança,
percebo que sou névoa, que sou um fantasma,
percebo que do outro lado do bosque uma chama
viva carrega os cachorros para a lua,
e o uivo de um dragão carrega pó e cinzas ao ar.
A beleza dela é a eternidade do amor em fogo,
ela que tem o sorriso mais belo que uma estrela.
Suas mãos me tocando e sua boca sobre a minha
igual um ovo sendo arremessado em cima de um muro.
O luar viu essas cenas de filmes brasileiros,
e então, eu que estava do outro lado da mesa
cantei bem alto: Negra, negra, negra, negra, negra,
Linda beleza de sereia, lida, linda, linda negra,
e ela ouviu minha voz na serenata e desmaiou.
Meu pranto molhado era a cauda de uma baleia,
dentro dos meus olhos mil peixinhos dançavam.
E ela que falava espanhol saltou para o outro lado
do trem quando viu meus passos judaicos
carregando economias de países frios e longínquos.
Então acordei do sonho e vi que eu era Dom Quixote,
e que eu tinha composto Os Lusíadas e Dom Casmurro.
E por fim percebi que o paraíso das asas dela
era onde eu nascia, renascia, e ali era meu túmulo, e eu
vivia só com ela, sorrindo igual uma eterna melodia de amor.
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