terça-feira, 3 de novembro de 2020

O Momento de Sophia - conto fantástico

 

O Momento de Sophia

 

Conto fantástico

 

   Sophia estava no seu apartamento ouvindo música clássica quando sentiu uma leve dor de cabeça percorrendo sua nuca. Levantando-se do sofá onde estava deitada ela foi até o aparelho de som e o desligou. Olhou o relógio um pouco com dificuldade, porque a luz do sol estava fraca, e ela não tinha acendido a luz. O relógio apontava sete horas da noite. Ela deu um leve suspiro de tranquilidade e pensou: “Ainda bem que hoje é o meu dia de folga do serviço, e eu não tenho nenhum compromisso. Posso relaxar com tranquilidade”.

   Deu alguns passos lentos pelo apartamento e parou um pouco. Sentiu uma súbita vontade de vomitar um coelho de pelúcia do seu estômago para fora. Assim como a vontade veio com uma rapidez sinistra, assim ela passou.

“Não aguento mais ficar vomitando coelhos pelo apartamento”, pensou Sophia com um leve suspiro de tristeza. “Os coelhos são animais muito bonitos, pequenos e fofos. Mas dão um grande trabalho quando eu começo vomitá-los por aqui”.

   O vento frio entrou pela janela que estava aberta, e Sophia resolveu ir fechá-la. Ao ficar de frente da janela olhou para baixo e viu que o tráfego estava muito agitado. Como ela vivia no nono andar e seu prédio ficava em uma das ruas mais movimentadas de São Paulo, Sophia sentia uma espécie de alívio de seus vômitos e regurgita-mentos sempre que olhava da janela esquerda de seu prédio para baixo. “Puxa vida!”, Sophia exclamou com sua voz aguda e fina quando olhou para as cortinas de cor negras que tremulavam com o passar forte do vento que entrava pela janela. “Não percebi que me esqueci de trocar as cortinas. Vou trocar agora essas cortinas de cor pretas pela cortina que ganhei de presente de mamãe. Não sei por que, a cor preta sempre deixou o ambiente desse apartamento bem modernizado. Pelo menos eu acho que fica assim".

  Sophia observava a capela de uma igreja católica romana que havia perto de sua casa. Sentiu que um grande vômito estava prestes a sair da sua boca. Foi aí que ela forçou um engolir seco da garganta, pois sentiu um calafrio terrível pelo seu corpo ao pensar que poderia vomitar um tigre de cima daquela janela.

 

  Não seria a primeira vez que ela deixava de vomitar coelhos e passava a vomitar animais que em circunstancias comuns do seu dia-a-dia ela jamais sentiu a necessidade de conhecer o nome ou a existência. A primeira ocorrência que deu um grande susto foi quando na loja de sua irmã onde ela trabalhava como subgerente ao vomitar assustou todas as clientes que estavam comprando as roupas de grife francesa que sua irmã importava de maneiras escusas da Europa. Uma imensa sucuri do tamanho de um grande boi se movimentava de um lado para o outro, como se perguntasse o que estava fazendo ali, deslizando no chão limpo e escorregadio que a loja tinha.

Os seguranças do shopping não quiseram se meter, já que a cobra podia ser muito bem apenas fruto da imaginação das cocotas que gritavam histéricas em grupo na frente da loja de roupas.

 

_ Meus senhores – Sophia disse constrangida. – Vomitei essa cobra quase agora, antes do almoço. É uma terrível consequência que eu tenho desde os tempos que eu era menina. Uma vez na casa de campo de meu avô fui dar de explorar todos os cantos daquela imensa casa, e sem querer me deparei com algumas fadas irlandesas que estavam invocando algum tipo de feitiçaria antiga no corredor do último andar de todos os quartos da casa. Elas me disseram que não era pra contar a ninguém o fato que eu presenciara. Caso isso acontecesse, a minha língua se transformaria em pedra. Claro que não acreditei em uma palavra do que elas disseram. Meu avô nasceu na Irlanda do Norte, e ele sempre me ensinou que fadas são mentirosas, e gostam de roubar crianças.

   _ Sendo assim desobedeci a ordem que me foi imposta, e contei para a minha irmã Karoline o que eu tinha visto. Como a minha língua de maneira nenhuma tinha se transformado em pedra, achei que o que tive na verdade foi fruto de algum delírio, ou eu estava sonhando e andando sonambula pela casa, afinal eu era muito pequena.

_ Foi então que recebi a visita de uma fada que trajava uma roupa escura, roxa. Meu corpo começou a tremer todo, e eu não pude ver com clareza o rosto dessa fada, então não posso descrevê-lo assim como faria qualquer pessoa normal. E essa fada me disse que a partir daquele dia em diante por ter desobedecido a ordem da rainha das fadas irlandesas eu passaria a vomitar animais pela boca. Foi isso o que aconteceu, por isso peço que chamem rapidamente a policia ambiental para pegarem essa cobra, e espero que guardem em segredo tudo o que contei para vocês.

 

 Sophia fechou a janela com rapidez. Tirou as cortinas pretas e colocou-as para lavar. Olhou as horas outra vez e decidiu que não ia ouvir mais música clássica.  Pegou o celular e ligou para uma pizzaria. Antes de o entregador chegar com sua pizza de calabresa e queijo, deu tempo de vomitar dois pequenos coelhinhos, que saíram de sua boca saltitando por todo o apartamento.

 

 Sophia se levantou e foi até a estante cheia de livros e pegou para ler o livro “A metamorfose”, de Franz Kafka. Chegou até as últimas páginas soluçando de lágrimas, dizendo: Eu entendo! Eu entendo!

 

 No dia seguinte, quando o sol começou a iluminar o apartamento onde Sophia morava, seu corpo foi encontrado morto. O único fato que deixou sua irmã, os policiais (e os seguranças do shopping) arrepiados era o fato de que sua língua tinha se transformado em pedra. E um coelho muito triste estava ao lado do seu corpo.

 

fim

 

 

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