O Momento
de Sophia
Conto
fantástico
Sophia estava no seu
apartamento ouvindo música clássica quando sentiu uma leve dor de cabeça
percorrendo sua nuca. Levantando-se do sofá onde estava deitada ela foi até o
aparelho de som e o desligou. Olhou o relógio um pouco com dificuldade, porque
a luz do sol estava fraca, e ela não tinha acendido a luz. O relógio apontava
sete horas da noite. Ela deu um leve suspiro de tranquilidade e pensou: “Ainda
bem que hoje é o meu dia de folga do serviço, e eu não tenho nenhum
compromisso. Posso relaxar com tranquilidade”.
Deu alguns passos lentos pelo apartamento e
parou um pouco. Sentiu uma súbita vontade de vomitar um coelho de pelúcia do
seu estômago para fora. Assim como a vontade veio com uma rapidez sinistra,
assim ela passou.
“Não aguento mais ficar vomitando coelhos pelo apartamento”,
pensou Sophia com um leve suspiro de tristeza. “Os coelhos são animais muito
bonitos, pequenos e fofos. Mas dão um grande trabalho quando eu começo
vomitá-los por aqui”.
O vento frio entrou pela janela que estava
aberta, e Sophia resolveu ir fechá-la. Ao ficar de frente da janela olhou para
baixo e viu que o tráfego estava muito agitado. Como ela vivia no nono andar e
seu prédio ficava em uma das ruas mais movimentadas de São Paulo, Sophia sentia
uma espécie de alívio de seus vômitos e regurgita-mentos sempre que olhava da
janela esquerda de seu prédio para baixo. “Puxa vida!”, Sophia exclamou com sua
voz aguda e fina quando olhou para as cortinas de cor negras que tremulavam com
o passar forte do vento que entrava pela janela. “Não percebi que me esqueci de
trocar as cortinas. Vou trocar agora essas cortinas de cor pretas pela cortina
que ganhei de presente de mamãe. Não sei por que, a cor preta sempre deixou o
ambiente desse apartamento bem modernizado. Pelo menos eu acho que fica
assim".
Sophia observava a
capela de uma igreja católica romana que havia perto de sua casa. Sentiu que um
grande vômito estava prestes a sair da sua boca. Foi aí que ela forçou um
engolir seco da garganta, pois sentiu um calafrio terrível pelo seu corpo ao
pensar que poderia vomitar um tigre de cima daquela janela.
Não seria a primeira vez
que ela deixava de vomitar coelhos e passava a vomitar animais que em
circunstancias comuns do seu dia-a-dia ela jamais sentiu a necessidade de
conhecer o nome ou a existência. A primeira ocorrência que deu um grande susto
foi quando na loja de sua irmã onde ela trabalhava como subgerente ao vomitar
assustou todas as clientes que estavam comprando as roupas de grife francesa
que sua irmã importava de maneiras escusas da Europa. Uma imensa sucuri do
tamanho de um grande boi se movimentava de um lado para o outro, como se
perguntasse o que estava fazendo ali, deslizando no chão limpo e escorregadio
que a loja tinha.
Os seguranças do shopping não quiseram se meter, já que a cobra
podia ser muito bem apenas fruto da imaginação das cocotas que gritavam
histéricas em grupo na frente da loja de roupas.
_ Meus senhores – Sophia disse constrangida. – Vomitei essa
cobra quase agora, antes do almoço. É uma terrível consequência que eu tenho
desde os tempos que eu era menina. Uma vez na casa de campo de meu avô fui dar
de explorar todos os cantos daquela imensa casa, e sem querer me deparei com
algumas fadas irlandesas que estavam invocando algum tipo de feitiçaria antiga
no corredor do último andar de todos os quartos da casa. Elas me disseram que
não era pra contar a ninguém o fato que eu presenciara. Caso isso acontecesse,
a minha língua se transformaria em pedra. Claro que não acreditei em uma palavra
do que elas disseram. Meu avô nasceu na Irlanda do Norte, e ele sempre me
ensinou que fadas são mentirosas, e gostam de roubar crianças.
_ Sendo assim
desobedeci a ordem que me foi imposta, e contei para a minha irmã Karoline o
que eu tinha visto. Como a minha língua de maneira nenhuma tinha se
transformado em pedra, achei que o que tive na verdade foi fruto de algum
delírio, ou eu estava sonhando e andando sonambula pela casa, afinal eu era
muito pequena.
_ Foi então que recebi a visita de uma fada que trajava uma
roupa escura, roxa. Meu corpo começou a tremer todo, e eu não pude ver com
clareza o rosto dessa fada, então não posso descrevê-lo assim como faria
qualquer pessoa normal. E essa fada me disse que a partir daquele dia em diante
por ter desobedecido a ordem da rainha das fadas irlandesas eu passaria a
vomitar animais pela boca. Foi isso o que aconteceu, por isso peço que chamem
rapidamente a policia ambiental para pegarem essa cobra, e espero que guardem
em segredo tudo o que contei para vocês.
Sophia fechou a janela
com rapidez. Tirou as cortinas pretas e colocou-as para lavar. Olhou as horas
outra vez e decidiu que não ia ouvir mais música clássica. Pegou o celular e ligou para uma pizzaria.
Antes de o entregador chegar com sua pizza de calabresa e queijo, deu tempo de
vomitar dois pequenos coelhinhos, que saíram de sua boca saltitando por todo o
apartamento.
Sophia se levantou e foi
até a estante cheia de livros e pegou para ler o livro “A metamorfose”, de
Franz Kafka. Chegou até as últimas páginas soluçando de lágrimas, dizendo: Eu
entendo! Eu entendo!
No dia seguinte, quando o
sol começou a iluminar o apartamento onde Sophia morava, seu corpo foi
encontrado morto. O único fato que deixou sua irmã, os policiais (e os
seguranças do shopping) arrepiados era o fato de que sua língua tinha se
transformado em pedra. E um coelho muito triste estava ao lado do seu corpo.
fim
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