quarta-feira, 9 de setembro de 2020

Algumas canções de outrora & Juízo Final etc...

 




PARTE I
HOMENAGENS E SONHOS




Homero 
A inveja mata
 Tome cuidado para não se contaminar
 Tome conta da sua vida
Porque da minha eu sei cuidar
Se não você se afoga mesmo sabendo
Nadar.




Dante 
Não posso 
Me trancar em mentira
O sol
É verde a luz.


Lorca
Bosques e sol;
Lagos e mar.
Ventos e beijos.
Amanheceu.


O coração que sente-se
Olhai o bosque, coração, olhai
E na distância a lembrança brilhará
Como uma oca espada no espaço.
Os olhos dos rolos vão te contemplar
Caído, desesperado, faminto, chorando,
E Deus vera na sua frente a sua imagem
E semelhança destroçada (e quem não
Riria disso, não é Senhor?).
Agora que o coração sente-se ali
Não saberíamos decifrar se o chão
Pode tocar nossos olhos de maribondos.
Poeta, cala-te por que já estás morto.
E quem te vê pela noite não são
As mulheres, nem os homens.

 
Os olhos mortos
Eu vi.
O chão.
Pedras.


O segredo
Tens e tenho um segredo que fosse
Como fogo de abelhas.
As flores não ocultam seus perfumes,
Porém nós, homens humanos, que não touros,
Pertencentes a essa humanidade podre,
Sintimos o desejo de ocultar
As nossas vozes. Não em silêncio,
Nem espadas ou guerras,
Não em prantos,
Nem em ervas do campo.
Tens e tenho. Saibam disso todos.


A rosa azul
Eu vi, céu de lodo, marés de vento,
A rosa azul pulsante no coração 
De um gigante adormecido, feito
De gelo e pedras preciosas, vinhos.
Aí, que visão diabólica. 
Não pode ofuscar os achados de
Quem vê que esse gigante destruiu
(Mesmo adormecido)
Imensos povoados, reinos inteiros.
Eu vi!


A nova rosa azul 
Como um sonho, sem mar, 
Como um sonho, sem céu,
Como um sonho, sem terra,
Como um sonho, sem mãos,
Como um sonho, sem olhos,
Avistei de novo de longe no
Seio de um imenso dragão de
Gelo e neve flamejante 
Uma rosa azulada em fragmentos
De outras tanto.
Que esplendorosa visão.
Guerras e trevas invadindo 
A imensidão, vazios brutos,
Como se achordassem esse
Velho e brupto dragão.
Mas a rosa azul, sim, o motivo
Dessa canção foi o que fascinou
Os olhos do jovem poeta sem nação.
Nenhum gigante adormecido 
Poderia distinguir que esse animal
Apenas dormisse depois de devorar
Igrejas e sinos com sua cauda
De violência e seus olhos diabólicos
De sangue e pássaros.
Avistamos o velho fazendeiro
Que deduziu que essa rosa 
"Em dias antigos foi uma linda
Donzela élfica, de outros tempos
Vazios. E que agora jaz morta
No coração do lagarto frio".
Ó rosa azul, cristalina, cristã,
Seria tu os sinais de que um dia
A gloriosa cidade vai descer 
Esmagando a gigantesca serpente
Que vem do norte como uma onda
Que provém do sul?


Mensagem
Eu não digo nada.
Nada mais digo.
Mesmo que as mariposas passem.




A fala do morto sem terno
Eu, como diria,
Preciso de palavras,
E só palavras que
Movam mais vento
Do que os moinhos.
Moinhos de ventos,
Não de fogo, nem gelo.
Ai, doçura de luar,
Não posso mais amar,
Não posso mais cantar.
Deixaram os meus olhos
Cegos de muitas noites,
E então me colocaram um
Tecido leve como uma túnica
(Que não era um terno,
Justamente
O que mais pedi para porém
Em mim depois que eu virasse
Pó). 
Mesmo assim aqui estou de novo,
Jogo de pedra e deserto,
Para dizer que nada vale mais
Que uma árvore cheia de espinhos.
Adeus.



Quase (o) fim

Vem, celestial fada das quimeras 
Traz suas mãos de fogo para mim,
Eu, o bardo, o poeta, aquele que canta
Mesmo sendo do mar o infeliz.

Vem, celestial fada das quimeras
Carregando suas asas de furações 
E suas belas mechas roxas, voz de
Cisne e dourado pomo de Adão.

Lá vem o mar ess sinistro ser,
Gotas mergulhadas em focas 
Que só tu, fada celestial das quimeras
Que pode entender...

Tu? Fada, dona dos antigos tempos,
Os celtas riam das suas cores rosas,
Porque no peito encravado tinhas
Apenas uma tulipa transparente.

Vem, celestial fada das quimeras
Carregando suas asas de furacões
E suas belas mãos de fogo. 
Sepulta-me. Chegou (quase) o fim.
                  Campinas, 30 de abril de 2020



Bode 

Lá vem o bode pela estrada,
Meu avô o guia com as mãos.
Barba de branca cútis, cores de
Olhos que outrora foi um sonho.

Sonho, meu avô, tu, a quem Deus
Escuta sempre as orações, porque
Eu sou apenas o bode pela estrada.
Meu avô me disse: meu filho não

Se esqueça de colher as uvas.
Só que eu subi num pé de girassol,
E até o mar me enterrei, querendo
Que o bode carregasse uma estrela.

O bode vai pela estrada,
E eu vou levando risos e lágrimas.
Meu avô, meu bondoso avô, meu belo
Avô que sabe o segredo do céu, da terra.



O anel

Pequeno choupo, dá o anel da
Menina de cabelos pratas.

—Não posso, capitão, minhas
Asas estão da cor da aurora.

Pequeno choupo, joga o anel
Da menina no rio.

Não posso, capitão, meus olhos
Querem os espelhos antigos.

Pequeno choupo, esse anel
Não é seu, devolva, antes da aurora.

Não posso, capitão, a morte
Me pegou sem sombras antigas.




Góngora
Era do ano o ano mais místico
Quando a cidade estava adormecida.
Passamos por muros e árvores
E a natureza em silêncio ficava.
Adormecidos olhos buscavam 
Na escuridão insensata do destino
Versos e sonhos das fadas verdes
Quando o sol ofuscou os brilhos.

Era do ano o ano mais místico,
Fúria das cores que não conhecemos.
Peixes sem voz beiravam o abismo
E uma criança colhia rosas rubras.
Sem visgos ou lodo ou cobre ou prata
Disseram que não veríamos o rouxinol.
Estreluziam o ar da noite doméstica
Fonte de mel e beiragua de rios frios.



Retrato de Juan Ramon Jimenez
Vai pelo caminho aberto
Um homem em cima de um jumento.
Sim, sim, sim, 
Não, não, não,
Aí, que escuridão de cimento nesse
Vento.
Juan Ramon sentado em
Um alfinete
Medita sobre o jumento.
Sim, sim, sim,
Não, não, não,
Que o coração é um sofrimento.
Don Juan Ramon
Medita sobre o homem.
Os homens são maus girassóis
Que não querem ser cidade,
Nem querem ser ferrugem,
Os homens, diz San Juan Ramon Jimenez, são apenas 
Amarelos guetos.
San Juan Ramón Jiménez
Se detém entre o homem e o jumento,
Explicando as almas  cálidas
Que os homens são apenas
Amarelas agulhas.
O poeta move seus sonhos
De mil anos nas pratas de
Um peixe sem nome.
E assim se dobra o papel
Com as letras vivas.
03/05/2020.  Campinas, São Paulo, Brasil



Conhecimento de Jorge Guillén
Eclipse, alpendre,
Formas duradouras,
Há o dia e a noite,
O mundo é o que é,

Se move o planeta
Em vinte e quatro horas.
Antes que o sol suma
E os homens durmam.

Canta o galo ao chegar
Do novo (mesmo) sol
Que Deus abençoe os
Nossos olhos. 

Serenidade. É verdade. Ainda.


O egoísta
Não, não é possível
Ver aquela ilha de cores
Verdes com brisas de
Espadas como cascos.
É, possível que a água
Se mova como polvo,
E que as estrelas despertem
O amor enferrujado. Sim,
Existe esperança, dizem,
Sim, há esperança.
Eu pergunto com voz de lontra:
Quem foi que criou a esperança?
Quem foi que pintou a esperança?
Quem foi que gozou a esperança?
Não, no é possível.
Olhos de vidros, cores de chuva.
Morte. 


Os perturbados
Arcanjos de fogo se movem
De cima para baixo,
As folhas que dançam
Rindo
De cima para baixo
Da sua face
De cima para baixo.
Olhai: estão ali na água
Os perturbados, os nobres perturbados,
Chá de vinho e vinha.
Estrelas de cabides quebrados.
São quatro, mais nada,
Quatro olhos de arcanjos,
Duas bocas de serafins,
Mãos de minotauros,
Pés de faunos sorridentes.
Lá vem para cima e para baixo
Os perturbados, os miseráveis
Perturbados de sempre.
Para que comece de novo
A peça abriria a porta.
Tudo de novo recomeça.


As cartas de Francisco de Quevedo 
Então olhou os espelhos.
Olhou se no espelho.
Ai, espelhos muitos. 
E Deus apareceu na sua face,
Dentro dos seus olhos e disse:
Deus, eu sou a sua cara.
E ficou calado. Morto.



As novas cartas de Francisco de Quevedo
Quem não entende o que fala
Não sabe o que escreve.
 E para o amor o pó não basta.
Não que a lenda não se entende.


Constrói a lírica gíria sem massa.



Fim do mundo
Constrói e destrói
Cultos agulhados.
Essa é a máscara
E não é o fim nem o
Do barco nem o do 
Átomo. Vai, levanta
Poeta o seu lirismo 
De muitos marés,
Canta ao longe
A morena sereia
Ou os animais que
Nomear não nos cabe.
Destrói e constrói,
Navegações dos portos.
Se não cairmos no fim,
Se não formos tragados 
Por um pavoroso polvo,
Amaremos sem fim sob
A relva densa do fim.
Amém, amém.



Vem o vento frio
Vem o vento frio nos meus olhos
Não sei se canto, não sei se choro
Ontem e hoje eu sei que veio
Vem o vento frio nos meus olhos.

A rosa azul parada no meio da rua
Não sei se chora, não sei se canta
Hoje e ontem eu sei que veio
Vem o vento frio nos meus olhos.

A mulher de pele negra pega um
Violino em forma de anjo nas mãos
Ontem e hoje eu sei que vem 
Veio o vento frios nos meus olhos.

O azul do céu se confundiu com água
A chuva teve vontade de dar risada
Ontem sim, hoje não, eu sei que vem
Veio o vento frio nos meus olhos.



Eu digo a você
Eu digo a você
O que não sei:
Buscas e anjos
Encontros e voz.
Meus amigos, onde
Estarão os unicórnios?
Minhas amigas, onde
As fadas se escondem?
Eu digo a você
O que não sei.
Mistérios supremos
Que habitam acima.
Saberei dos duendes
Ou das belas ninfas?
Tigres nos espelhos
Aparecendo em sonhos.
São os elfos que dançam
Na alta noite?
Eu digo a você,
Eu digo a você,
Eu digo.
Amém.


Luis de Góngora fala da solidão
Então chegou, chegou-se,
Culterano de cultos dobres.
Agulhano, metal borrachão,
Termo feito, cova de cigano
Monte que vai: terra, ilusão.
Olhai, olhai, que eu não vou
Conseguir ir Te buscar ao
Céu aberto, fonte que água.
∆∆∆
Sexualmente falando em fala:
Silvestre mar, mar melancólico.
Dizei que carrega nas mãos
Se não a fonte que água, fogo.
Eis o cigano de novo: Córdoba,
Imenso vício, Sevilha, quem não
Te viu e não te recorda cidade 
Bela de ciganos? Olhai: que canto.

Góngora fala do amor
Belos são os tempos
Melhores que. Belos.
Olhemos com muitíssima
Atenção: véu e céu são 
Beijos válidos. Estrelas.
Os livros abertos. Os sonhos.
Ai, transparência. Velejando.
Eis as asas. O vento passa.
∆∆∆
Passamos com duas.
Passamos. Um só não.
Solidão. Vazio. Esperança.
Esperançosa figura.
O coração não descreve.
Desce. Desculpa. Perdão.
Eis a essência. Essencial.
Pó, pátria, números numéricos.


A flor negra
Excelente jardim dos aromas
Das noites tristes e antigas.
Sonhar dos gigantes frios,
Árvores tombadas, vespas.

As noites do oriente são 
Frias com o longínquo vento
Que chega do levante ocidental
Para abraçar as colinas das flores.

Só que ela é uma flor negra,
Única e pálida, perdida, serafim
Entre as arcanjas  que se deitam

Nos divans ecléticos que 
Surgem das vibrações boas
Das raízes boas e vibrantes.

Flor negra, ai flor negra,
Que os rios e as nascentes
Te acalentem docilmente.

Porque a suave margarida
Te vê, flor negra dos bosques
E uma fada te leva nas mãos
Para outros reinos distantes.



A rosa que eu não canto
  -para Isabel Garcia de Ataide Lima
A rosa que eu não canto
Não existe (se é que há olhos).
A rosa que eu não canto
Mora em terras sem estrelas,
Onde as sombras são os
Corpos e os corpos são
Apenas ventanias.
Não existe. A rosa que eu não canto
Sabe que o céu é raso e o oceano
É profundo. A rosa que eu não canto
Sabe que eu te amo muito.



Quevedo medita na janela
São muitos olhos.
Mil olhos espiando
Nas esquinas.
São mil olhos.
Mil olhos iguais
A violinos imensos.
Olhos de todas as
Cores, espalhados
Pelo céu: olhos glaceados,
Olhos espelhados, olhos mortos.
E bocas que falam sem voz,
E vozes que falam sem bocas.
E só o silêncio cortante do vento
Carregado de fé muito antiga
Se ergue entre mim e o povo.
E só as palavras se expressam.


Retrato de Federico Garcia Lorca
Vem o vento 
E o silêncio.
As nuvens choram.
Nenhuma pedra.
Só o silêncio.
E o amor de 
Mil espelhos.
Só os dias.
E mais nada.


PARTE II
SONHOS E HOMENAGENS


NÓS VAMOS E GRANADA FICA
Nós vamos
E Granada fica.
As sevilhanas
Cantam com linda voz:
Nós vamos.
E os sevilhanos
Cantam com seus amigos:
E Granada fica.
Os touros de Granada
Usam chapéus de espadas.
Nós vamos
E Granada fica.



Usando o apocalipse
Empunhando uma espada,
Nada mais do que isso.
Uma espada de prata.
Nada mais do que isso.
Um urso cheio de tesouras.
E nada mais do que isso.
Levando nos olhos 
Uma mariposa de mel.
E nada mais do que isso.
Uma sarracena de nuvens.
E nada mais do que.
Empunhando um touro
Nas mãos de vidro e ouro.
E nada mais do que isso.
Beijando o arco íris do chão.
E nada mais do que isso.
Sentido o ser nas rochas.
E nada mais do que isso.
Morrendo de teatrinho.
E nada mais do que.


Góngora vê o mar
Olhai esse pranto imenso
E salgado.
Olhai, poetas do frio,
Olhai, poetas do calor.
Seria esse imenso reduto
De água
As águas divinas caídas?
Olhai. Olhai sem olhos.
Olhai com as bocas.
Olhai, poetas do calor,
Olhai, poetas do frio.
Avenida de água,
Cidade afogada.
Quantos litros 
De baleias cabendo
Em ti.
Fonte.
De onde?



Lorca descreve o ir do amor
Vai o amor pelos bosques de Cristo,
Minhas flores, saibam disso.
Vai o amor.
Volta o amor com o entardecer.
Choram os meus olhos
Mil lágrimas de beijos.
Choram os meus olhos.
E pedem desculpas.
A mariposa segue pelo
Lindo bosque que a manhã
Teceu cosendo com linhas
De ouro e mel.
Ai de mim, o dia é soberano.



Cantiga do sal
Sal branco, marfim salgado,
Dos reinos profundos
E da aurora do tempo
Eis sua camuflagem.
Sal branco, eia o ouro
Dos alimentos tantos.
Fonte de mar, farinha
Sem olhos ou rosto.




Nenhum comentário:

Postar um comentário