terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

5 anagramas


1- Fique assustado quando me encontrei com os poetas marginais no meio da rua. Naquela época eu era apenas um iniciante, um hippie esnobe, cabelos grandes e óculos gigantes de aro de tartaruga. Fiquei impressionado com a menina de cabelos loiros. alta e totalmente esbelta. Nunca vi uma pessoa tão inteligente, rindo fartamento quando o poeta Samuel dizia palavras como cu e buceta (que estavam em seus versos). Fique fascinado com essas coisas, e me pus a ler os meus, que foram aplaudidos e incompreendidos. Ela me disse que não gostava nem um pouco de Neruda, e que admirava muito a poesia japonesa de Bashô. Seu nome era Letícia Gabriela. Já era um início.
2- Ler os versos na frente desses poetas (eramos sete: quatro homens e três mulheres) era uma coisa gostosa, pura e claramente irônica. Zombávamos estritamente de tudo, e eramos os marginaizinhos da literatura. Cada um com o seu caguete oficial: Leticia não gostava nem a pau da poesia de Neruda, eu era fanático em exaltar o concretismo e humilhar os versos de Ferreira Gullar (o inimigo não-oficial número um dos concretos), Gabriel não suportava ler os poemas abstratos de Robert Lowell e sim os poemas abstratos de Drummond, Nayara consumia mais romances do que poesia, embora escrevesse poemas gigantescos e ilegíveis, se dizendo uma herdeira legítima de James Joyce. Pedro era o líder, o cabeça, e com toda franqueza humilhava todos nós sem nenhum problema, sem nenhum ressentimento. Para ele, a poesia vinha do sangue dos presos, dos perdidos, dos sem terra, dos márginais...
 _Somos marginais Pero, você sabe muito bem disso! E perdedores, dizia Natália. E Pedro concordava, mais era sincero, pois faltava-lhe hipocrisia na boca, e jamais se seduzia por grandezas literárias ou publicações. Escrevia compulsivamente. Nos tornamos amigos, mesmo ele dizendo que minhas poesias eram cascas de bananas que faziam seus olhos escorregarem de tédio completo.
3- Fomos andar todos os sete no meio da cidade de São Paulo. Vadios, vagabundos, pobres, que dinheiro tínhamos? Nenhum, apenas a felicidade de poder roubar livros nas livrarias parcas e nas bibliotecas sujas dessa cidade sem alma, feita de concreto e sombras. Quer dizer... roubava eu e Pedro, sem nenhuma vergonha. Ninguém suporia que dois cabeludos de óculos do tamanho de uma lua cheia, pudesse roubar livros tão grossos e pesados. Examinávamos bem o que íamos roubar... Aliás eu sempre roubei livros nas bibliotecas públicas e das escolas que eu estudava. Nunca me sentia bem na escola, me disse Gabriel, eu também nunca me senti bem na escola. Eu era um estranho no meio de animais mais estranhos ainda. Gargalhamos e ele me deu um livro que havia roubado. Nunca mais parei de ler Elizabeth Bishop, depois daquela versão de North & South em español chileno que Gabriel me derá.
4 - Nunca ficamos entediados com os livros e liamos até as altas-madrugadas. Em nossos debates discutíamos desde de escritores cults como Tokien até Edgar Allan Poe . E entramos em guerra contra os acadêmicos  anêmicos da literatura da América do Sul. E não poupávamos os miseráveis metidos a intelectuais, que na verdade eram um rodo de enrola bosta diante de nós, perdidos e abandonados em nossa própria sorte.
5- Fiquei acordado conversando com Pedro, e durante a discussão (que quase acabará em tapas) ele me disse que iria viajar para o México, tentar se encontrar, ver até que limites um miserável latino pode ir em outro país latino. Sete horas ele partiu, e só eu estava sabendo disso...

Nenhum comentário:

Postar um comentário