Desde os dezenove anos, Maurício tinha uma certeza: estava destinado à grandeza literária. Não qualquer grandeza — nada de prêmios de consolação ou colunas em suplementos culturais. Ele queria ser o escritor. Aqueles com retratos sépia nas capas e frases enigmáticas estampadas em canecas de livrarias independentes.
O problema era que, toda vez que se sentava à frente da máquina de escrever — uma Remington velha herdada de um tio comunista — uma dor de dente imaginária começava a latejar no molar inferior esquerdo.
— É psíquico — explicou-lhe a terapeuta.
— Não seria mais literário se fosse metafísico?
Ele tentou escrever sobre a dor, mas a dor não colaborava. Era uma dor vaidosa, que surgia apenas quando ele tocava nas teclas, e desaparecia misteriosamente quando ele decidia lavar a louça ou visitar a mãe (a qual, por sinal, sofria da mesma dor há 35 anos, mas jurava que era culpa dos bolcheviques).
Certo dia, ele tentou superá-la. Tomou café, colocou ópera, leu Kierkegaard (sem entender), e digitou três palavras:
"Acordei sem alma."
A dor explodiu. Um latejar profundo, digno de Dostoiévski. Ele gemeu, bateu a cabeça no teclado e, como forma de protesto contra o universo ou talvez contra si mesmo, resolveu se masturbar com culpa. Em seguida, caiu no sono em posição fetal, abraçado ao volume dois de Em Busca do Tempo Perdido.
No sonho, ganhou o Nobel por um romance de 12 mil páginas intitulado O Branqueamento do Incisivo. A dor havia sumido. A plateia o aplaudia de pé. Sua mãe chorava com um cartaz: “Meu filho escreveu apesar dos dentes!”
Acordou com uma dor real. No joelho. Devia ser artrite.
Suspirou, levantou-se e murmurou:
— Hoje talvez eu escreva um conto... curto.
E foi fazer café, enquanto a máquina de escrever o observava com um silêncio julgador.
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