Quis ser gênio, tipo Kafka,
Com angústia e asma na estaca,
Mas ao sentar pra escrever
Um molar começou a doer.
Não era cárie, nem nervo exposto,
Nem trauma infantil mal posto,
Era uma dor teórica, refinada,
Surgia só na hora errada.
Frente à máquina, o terror latejava:
“Acordei sem alma!” — e ela travava.
A dor dançava um tango cruel
Com minha ambição intelectual.
A terapeuta disse: "É repressão."
Eu disse: "Talvez seja Sartre em tensão."
Tentei escrever com gelo na gengiva,
Mas acabei vendo pornografia afetiva.
(Com culpa, claro, no mais puro estilo,
Como um monge que caiu do trilho.)
Depois do gozo, o sono absoluto,
Acordei achando que era astuto.
Sonhei com prêmios, suecos e glória,
Acordei com artrite e sem memória.
Minha mãe, claro, me liga e diz:
"Vai no dentista ou num psicanalista gris."
Mas eu insisto — ainda serei brilhante,
Depois do café e de um analgésico vibrante.
Escrever é sofrer, já dizia Baudelaire,
Mas ninguém avisou da dor no maxilar.
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