sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

Eu sou um poeta camponês


Eu sou um poeta
camponês: obrigado e boa-tarde!
Não queiram de mim
mais d que posso lhes oferecer:
a pedra muda da estrada
e a companhia solitária do carvalho.
Não, não; não gosto do movimento
e da agitação da cidade.
O movimento de qual mais gosto
e o da agitação do vento golpeando
as folhas vermelhas e verdes
no chão.
Eu sou um poeta
camponês: obrigado e boa-tarde!
Por isso não venham me agredir
com suas mentiras, ferindo-me
a alma com palavras sem nuvens.
Eu sou um poeta
camponês: obrigado e boa-tarde!

Meu poema


Meu poema tem
sabor de uva.
Prova-o, amiga,
prova-o, amigo.
Sinta o sal, a doce
fragrância azulada
do mar em meus
versos cinzentos.
Meu poema tem
sabor de uva, companheira.
Sinta o cheiro da
tempestade em minhas rimas,
o gosto do orvalho
em cada estrofe verde.
Respira, amiga, o sabor do campo.
Sente, amigo, a beleza das raízes.

quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

CHANUCÁ (Festa das Luzes)



(né gadól haiá shâm)

em teus olhos
vejo
        nove pontas

é a luz do E'terno
que
      te
desenha

és um candelabro 
iluminado

Nuvens
pairam
em tua boca

acendo
o fogo por amor

                                       (não por
tradição)

uma lágrima
lenta
é o óleo do nosso amor.

E o meu coração
pulsa
celebrando
a festa da dedicação
                          por amor
                                            
(não por
              tradição).

foto: ilustrativa

é difícil

é
difícil
escrever
um verso
que não quer
aparecer

meu lema é:
poema
crie-se

mas a poesia
obstina o poeta:
fique no tédio

e enquanto
o natal
que passou
não retorna

martelo
o poema
dentro da
folha

e a folha
coitada

chora.

Cançãozinha tola de natal

-Mamãe, o natal passou...
-Não, filhinho, foi o sol que guardou!

-Mamãe, o natal foi triste...
-Não, filhinho, foi o frio quem disse!

-Mamãe, o natal vai voltar?
-Sim, meu filhinho, Cristo um dia vai chegar!

Decifrando o natal

As cores do natal
deságuaram em teus
                          olhos.
e eu te amei.
Ai, piscas-piscas
                         sonoros.
Melhor presente
que ganhei: teu beijo
suave de estrelas;
                      beijo esse que eu amei.

A voz cigana (cântico)

A voz cigana é o murmurar da noite.
Noite, noite.

A voz cigana é o galopar do vento,
Vento, vento.

A voz cigana é o soluçar das árvores.
Árvores, árvores.

A voz cigana é o mistério cantado.
Luzes de um candelabro.

Poema de véspera de natal


Miro no céu
uma estrela azulada:
são águas do oceano.

foto: ilustrativa 

Te amo e te amo

Te amo e te amo, repito
para o mar solitário que
reflete a noite em águas salgadas.
Ai, te amo e te amo, minha amada,
amo o teu silêncio e amo tua voz marinha
soando junto do sino da madrugada.

Te amo e te amo, esse é o meu lema:
amo as nuvens, o carvão dos teus cabelos negros.
Amo tua silhueta dourada e prateada
de violino, amo tua voz, amo o ritmo
que danças contra o mar agitado.

Te amo e te amo
isso repito sempre
te amo e te amo.

Matéria poética

Nenhum poema me nasce
das raízes, das raízes profundas.
Minha poesia é marinha e noturna.
Em cada palavra, ou verso,
sal e onda se lançam 
dentro da manhã e do frio.
Não há terra em minha poesia.
Só há silêncios e ondas enormes.



soneto natalino

E não conquistaram os mouros al-Andaluz durante o natal?
Livro das Perguntas Sem Respostas



Nenhum sino me agrada. Nenhum sino.
Deus que me livre. Não há sino algum.
Nenhuma estrela incendeia o céu.
NENHUM SINO.

Não vi o comercial da coca-cola na tv.
Nenhum sino.
Não vi o dia passando por nada.
Nenhum sino.

E agora já é de madrugada
e estou confuso e surdo.
Nenhum sino me agrada.

E essa balada? E essas palavras?
Nenhum sino.
Nenhum sino me agrada.

soneto durante o natal

Não neva nessas zonas tropicais, não, não
neva. A fumaça que sobe por entre meus
olhos é a fumaça do churrasco. E como
estará essa fumaça nos olhos dos pobres?

E me esqueço que sou tão pobre que
não consigo dormir antes de ir martelar
meu grito contra essas estrelas frias e amargas.
Alguém solta um rojão, não sei se comemorando

a marca do Cristo ou se a própria data.
Mais mesmo eu que não simpatizo com
esse sofrimento me deixo alegre por alguns

breves momentos. Ali estaremos juntos,
algum dia, na sombra ou na luz. Por enquanto
é melhor comemorar o calor.

soneto de natal para minha namorada

Amada, não será a primeira vez que
eu, com a cabeça mais embaralhada
jogue ao seu dispor meus versos como
uma carta recém-queimada no oceano.

Ando com tanto tédio que nem
se alegrar com a alegria me encanto.
Não consigo nem escrever direito
as mais belas odes do meu canto.

É assim que se sente o demente
escritor que escreve apenas por pavor?
A morte embaralha tua boca, amada.

Apaga a luz depois que saíres gozada
por entre a rua cinzenta e amarga.
Direi que te amo mais uma vez. Isso 

já é a minha marca...

um soneto antes do natal


Eu não significo mesmo em detalhes.
Não. Póde ser que aquela luz seja
uma pórta aberta ao ouro infinito.
Não me agrada nada dessa sociedade.

Ai, falidos dias, falidos. Homens,
não me dão de comer com o dinheiro?
Que faço sem o santíssimo sacramento?
Não posso comer pedras nem ventos.

E detalhes me sobram, poemas esparsos.
Publico com tédio as mais indignas palavras.
Há maior alegria num cemitério aberto.

Dá-me de comer o tédio da terra.
Dias, infinitos. Menos dias, menos.
E eu? Que trabalho? É natal. Fixo.

um silêncio

É um silêncio qualquer.
Esse. Meu silêncio.
É um silêncio qualquer.
Um silêncio aos moldes
de walt whitman, um
silêncio gritante, fascinante.
Nenhuma palavra me surge,
nenhum sol me agrada os olhos.
As mulheres, ai, as mulheres,
as nuvens, ai, as nuvens,
as mariposas, ai, as mariposas,
minhas mãos,
ai, as minhas
mãos.
É um silêncio
qualquer esse.
Um infinitissimo 
silêncio.

sábado, 24 de dezembro de 2016

Começamos um novo dia


Começamos um novo dia
luzes de notícias piscam
é uma data natalina
comemoremos o frio
que se forma no anzol
do peixe cinzento estrelado.
Ai, começamos um novo dia
as ciganas choram pela noite
é uma data natalina
comemoremos o dia frio
que se forma na roda do
anzol no peixe cinzento estrelado.
É um novo dia que começamos
os judeus contam as sinagogas
é uma data natalina
comemoremos o frio do vento
que se forma dentro das poças
dos olhos de um peixe cinza estrelado.
Começamos um novo dia
berros de cristão no meio da rua
é uma data natalina
alguém comemora o frio
que se forma na ponta de uma estrela
bem no meio da escama
de um peixe cinzento que
tem seu descanso sagrado
em cima de um prato.
Começamos um novo dia
luzes de notícias piscam
é uma data natalina
comemoremos o frio
que se forma no anzol
do peixe cinzento estrelado.

eu

eu
não sei
cantar
canta
comigo
nesse
suspiro
infinito
o céu
do seu
olhar
é azul
chora
comigo
nesse
meu grito
insisto
por favor
os sinos
vão tocar
por nós
meu amor
é feroz
eu não
consigo
te dar
mais
meu
coração
é seu
é seu
é seu
o luar
e o vento
eu

Minha irma, a vida


Vejam, o poente.
E é claro que ele
não vale nada com
o vento soprando
em meu rosto como
um beijo.
Mais aquela luz
me dá uma sensação
estranha: meio que
a felicidade me invade,
meio que a amargura toma
conta.
Algumas estrelas
vão aparecendo no céu.
[Decidimos contá-las, é claro,
com suave dispor.
A lua também surge
camuflada em uma
nuvem como um
grande balão de
luz (quem apagará
o luar quando formos
descansar?).
Agora a chuva
cai como uma guitarra.
Ouça o violino das gotas
tomando conta dos telhados.
Uma telha está quebrada,
a goteira molha o chão.
Ninguém reclama.
E embora o sim e o não
sejam parte da rotina cotidiana
tudo transparece com naturalidade
(embora tudo me espanta).
Será que não te espanta?
Minha irma, a vida
quem será que te canta?

De amor em amor


De amor em amor
sinto saudades de
algumas coisas que
me deixaram sentir:
os teus cabelos
negros sobre o meu pescoço,
tua boca de sal sobre a minha,
tuas mãos sobre os meus poemas,
minhas mãos em tua cintura rubra.
Ai, de amor em amor,
quantas saudades de
te levar em minhas caminhadas
como a gota de orvalho.
Só de ouvir tua voz
baixa, sonora, como
a voz de uma gaivota marinha.
Ai, de amor em amor,
sinto saudades de algumas
coisas que só você podia
me dar: teus olhos de mar
escuros como a noite,
sua braveza cigana,
sua ignorância, sua
beleza morena e monumental.
Tenho saudades dessas coisas
por que tudo na vida é saudade.
Por que tudo passa por nós
para que a lembrança seja o
gostinho da eternidade.
De amor em amor,
ai, sinto saudades
de algumas coisas que
me deixaram sentir:
a brisa leve dos teus beijos,
o toque suave da tua voz,
o teu silêncio de manhã.
Ai, que saudade!

Resposta a um crítico


Senhores, cavaleiros
não se
preocupem
se não
entendem
o poema,
o grão
da palavra,
a voz da
emoção.
Não, uma
lágrima
não se
explica.
Nenhuma
alegria
pode ser
posta no
papel.
O verso
é uma
alegoria
da realidade
que não põe
medo a
ninguém.
O lema
da poesia
é: luz e trevas.
Tal coisa é
supor que
os poetas
sejam a
antena da
civilização.
Conversa,
os poetas
são renegados.
Gerações e
gerações massacraram
seus poetas com
fome, expurgo,
dores, solidão.
O que queremos?
Senhores, cavaleiros,
apenas a felicidade duradoura
e um novo sol brilhando
contra as nossas retinas.
Os poetas não pedem
muito, mais também
não pedem pouco.

Natal


para gertrude stein
Natal: não
tem neve? Não
tem azeitona?
Não tem barba
branca? Não tem
choro cristão? Não
tem sinos badalando?
Natal: não tem urso?
Não tem presentes?
Não tem embrulhos?
Não tem ausentes?
Natal: festadetodoano.
Criação comercial? Viva
o natal, o pré-natal, o
recêm-natal, o não-natal.
Não faz nenhum mal
comemorar o natal.
Só não abuse do sal.
Natal: não tem trenó?
Não tenha dó: é o natal, afinal.

Aquelas estrelas

Aquelas estrelas que brilham
longe, tão distantes, não é
o próprio distintivo do tédio
infinito?

Dá-me uma bomba, estraçalharei
uma por uma e porei minha
marca abstrata suspensa no
espaço.

E os meus dias serão abreviados?
Quem pudera, eu, supremo, ressuscitar
Roma e Jerusalém. Mais nada me
inspira

a viver mais
do que sonhar
em detonar as estrelas que jazem
mortas no
espaço.

a dor chegou...

A dor chegou... Bom-dia, eu lhe disse,
seja bem-vinda, descanse em meu coração.
A dor chegou como a bandeira de um
país recém capturado por outra nação.

A dor chegou... A noite visualizou algumas
gotas de orvalho em mim enquanto ela chegava.
A dor chegou... E relampeava lá fora os sinais
da tempestade que também despertava.

A dor chegou... O tempo se tornou cinza,
ouvi algumas trombetas no céu anunciando o fim.
A dor chegou... E a esperança era as asas
quebradas de uma pomba morta na calçada.

A dor chegou... E eu despertei cheio de amor,
e seus olhos me viam frio como a própria noite.
A dor chegou... E tua voz me consolava. E eu lhe
disse: bom-dia, seja bem-vinda.

terça-feira, 20 de dezembro de 2016

nenhum poema



é silêncio é vazio
não consigo escrever
nenhum poema
que reluza azulado
no papel em branco

a minha voz de
açúcar é salgada
e o oceano me tragou
cheio de suspiros

é silêncio é vazio
o ar imóvel passa
por mim como um
vento de nescau

e eu, suspiro

um poema

Um poema 
vale
pouco

um poema
vale
nada

vinagre
os poetas
choram
sentam-se
oram

o céu molha
o chão
o coração
um poema
vale pouco

um poema
vale
nada

dois poemas em época natalina

Natal

Águas noturnas, paraísos silvestres, ondas magnéticas
Onde o meu amor pode repousar como uma toupeira.
Nenhuma estrela dentro de tantas estrelas, nenhum sol,
Nenhum vento repugnante, nenhuma maré, nenhum sal.
Beijos, vapores, rios, ferros enferrujados no meio da plantação,
Livros fechados, bebidas como vinagre, açúcar, arquitetura andaluza,
Sonetos de amor, sonetos feitos da impaciência, sonetos
Sombrios, palavras tristes, alegrias momentâneas, 
Sofrimentos eternos, dicionário aberto contra a luz 
Do lago, nenhuma coisa que possa distinguir o meu eu
Do teu eu como dois seres enroscados na sombra: feliz natal. 


Os poetas

Ramos de orvalho, águas remotas, países distantes,
nada que possa lacrimejar meus olhos com tanto amor,
furacões, solidão constante, abundância de companhia,
nada que posso me fazer morrer de tanto tédio ou alegria.
Ficarei estendido como uma planta no meio do caminho,
com a raiz embaraçada de neve, de sol, frescamente
repousando na sombra de uma árvore cheia de espinhos.
Entrelaçarei o meu nome com o teu nome, porque te amo.
Minha mão erguerá o martelo, a tua mão segurará a estrela.
Seremos a pirâmide e o amor e ali seremos o pó da vida.
E quem sabe tudo se explique dentro do universo.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

Vento nos olhos do cigano


Não é amargo
o fim que não
desejavas para nós?
Não é amargo
a dor de amar
sem reparação?
Não é amargo
tocar as estrelas
sem proteção?
Agora a lua morre
quieta e sonambula.
E eu e tu seremos
a poesia da vida
como a brisa.
Não é amargo
o fim que não
desejavas para nós?

Minha amada


Olha, minha amada,
é de manhã, a brisa
é tão fria quanto os
teus beijos mornos.
Não vês o sol
surgindo atrás
das nuvens e
daquela montanha?
Amada, amada minha,
não chore pelas estrelas
como eu choro por você.
As estrelas brilha!
Amada, amada minha,
não corrija o meu idioma
de mel, de açúcar.
Deguste os meus erros
como nossos beijos errantes.
Não vês amada minha
que o relógio do amor
não tem momento.
Não me olhes com olhos
de sofrimento.
Olha, minha amada,
é de manhã, a brisa
é tão fria quanto os
teus beijos mornos.

Teu olho


Teu olho, cigana,
é um corte.
Faca de bronze,
faca de cobre.
Teu olho, cigana,
de sorte.
Rio da morte.
Teu olho, cigana,
é forte.
Chuva forte,
intranquilo mar.
Teu olho, cigana, é
azul.
Olhar, muro,
amar as nuvens que
choram águas como
o mar
azul..

Cena do sargento, do cabo, conversando com o cigano


(com tema belíssimo de Federico Garcia Lorca).

sargento
Eu sou o grande sargento da polícia militar.

cabo
Sim.

sargento
E ninguém pode me contestar.

cabo
Não.

sargento
Posso ter o sol e a lua em minhas mãos.

cabo
Sim.

sargento
Posso julgar as almas que os outros matarão.

cabo
Não.

(vozes ao lado, sons de bofetes, uma lua suspensa
e um sol. entra um cigano).

sargento
Que se passa?

cabo
Um cigano.

sargento
O que é isso?

cabo
Não sei. Vou buscá-lo, prendê-lo, algemá-lo, maltrata-lo e já respondo.

sargento
Não faças nada disso.

cabo
Não.

sargento
Traga-o aqui.

o cigano entra com olhos lacrimejados

sargento
Que se passa?

cigano
Vim buscar o sol de tuas mãos.

sargento
Não podes me contestar. Sou o grande sargento da polícia militar.

cigano
Não te contesto.

cabo
Cala-te.

cigano
Eu não rezo.

cabo
Cala-te.

cigano
Eu sangro.
cabo
Cala-te.

cigano
Eu só peço...

sargento
Não sabes com quem falas? Sou o grande sargento da polícia militar.

cigano
Quem deu o direito da vida?

cabo
Sim.

cigano
Quem deu o direito da morte?

sargento
Cala-te. Cigano. Eu sou o grande sargento da polícia militar.

cigano
Quem interrogará Deus por tanto sangue?
cabo
Não.

cigano
Quem colocará a corda no pescoço do diabo?

cabo
Sim.

cigano
Quem me deixará viver em paz, cantando dentro de um rio,
de um poço.

cabo
Não.

cigano
Quem deu aos ricos o direito de maltratarem os pobres?

sargento
Chega, cigano. Você não sabe quem eu sou? Sou o grande sargento da polícia militar.

cigano
Não quero morrer.

cabo
Cala-te.

cigano
Não quero viver.

cabo
Cala-te.

(alguns rouxinóis cantam.
o cigano deita-se e dorme.
o grande sargento da policia militar
se levanta e fecha a janela, bate as mãos.
o cabo ergue uma estrela e um sol e chora.
ninguém vê a bíblia aberta ao lado da janela aberta).

Mundo


Mundo
violento de violetas
que tragam
o meu coração
de marfim
enferrujado
de tanta poesia.
Mundo violento
sem estrelas.
Mundo, mundo.
Sarna de cachorro,
redemunho surdo.
Mundo, mundo,
vasto mundo,
e meu nome é
um anátema: Raimundo.
Mundo violeta,
cheio de mariposas
vermelhas.
Mundo canalha,
de gente canalha,
de corações canalhas.
Mundo de dinheiro,
mundo sujo, mundo limpo.
Mundo, mundo falho,
intragável, nos jornais.
Mundo violento de violetas.
Mãos que tremem, olhos
que choram, dentes que
se quebram, maças que
apodrecem na fruteira.
Mundo de mortes e nascimentos.
Mundo, mundo,
violento de violetas.
Agreste mundo.
Mundo pequeno
dentro do meu coração
diante do mar amargo.
Vasto mundo,
mundo enferrujado.

cigano e mariposa


cigano: Quem conta as minhas lágrimas?

mariposa: As luas vermelhas do céu.

cigano: Ai, meu coração de vidro era duro, se quebrou...

mariposa: A manhã nos olhos das gentes é violenta.

cigano: Dou o meu amor a qualquer preço.

mariposa: O dia de uma barata é diferente do dia do percevejo.

cigano: Tragam a lua, o mar, o sol, o touro, e a espada.

mariposa: A Andaluzia é a sua pátria.

cigano: Mar e deserto.

mariposa: Martelam na mão o prego.
cigano: José e Jacó.

mariposa: Suas mãos suas, ó licor.

cigano: Amada cigana, de olhar esverdeado, me dá um amor, e eu te dou um abraço.

mariposa: Alicates e silêncios constroem o meu mundo azulado.

cigano: Pobre é o coração do nobre.

mariposa: Os ricos também comerão terra.

cigano: Quem disse que o céu não é aqui?

mariposa: As nuvens irão um dia te cobrir...

cigano: Estou triste.

mariposa: Estou alegre.

cigano: Corações de ferros, enferrujados.

mariposa: Tacam-se óleo para alegrar as engrenagens.

cigano: Ai, ai, ai, ai, noite fria e cinzenta.

mariposa: De morte é o teu poema.

cigano: Ai, ai, ai, ai, noite fria e amarga
.
mariposa: É azulada a tua amada.


cigano: Me dá a lua e o por-do-sol, e eu te direi a tua sorte.

mariposa: Cemitérios e luas, bandeiras de cobre.

cigano: O meu nome não digo para ninguém amaldiçoa-lo.

mariposa: És o nobre Amargo.

cigano: Deus me livre de sabê-lo.

mariposa: Deus me livre de esquecê-lo.

cigano: Surge a lua por de trás do mar.

mariposa: E não vamos outra vez chorar?

NÃO GRITE


Não grite para mim nenhum
suspiro.
Ai, rotina desgraçada,
ai, alegre rotina do destino.
Quero traçar em meu quarto
o som da alma o som belo e infinito.
Sou poeta, que mais querem de mim?
Mendigo sentimentos para escrever-vos
poesia.
Não dói em teu coração a dor de
dar-se a outro que não te queria?
Ai, meus suspiros de alicates
não fazem diferença nenhuma nessa vida.
Aliás, nada faz diferença nessa vida:
estar nela, não estar nela.
Aliás, o que raios é isso que chamo de vida?
Uma coisa disseram com certeza
umas amigas minhas que também
se deram a dar em escrever poesia:
não tens nenhum poema perfeito,
escrever apenas asneiras sentimentais.
Ai, rotina desgraçada,
só posso escrever poemas sobre coisas
astrais.
Preciso parar um pouco, respirar,
sair a andar pelas ruas dessa cidade.
Sou essa cidade, por isso passo tão mal
porque tenho calçadas quebradas,
gente infeliz, religiosos demagogos,
políticos ladrões, pobres, ricos,
tudo isso dentro de mim já é uma
desgraça.
Ai, rotina desgraçada,
só posso me vender com poesia.
Alguns não sabem o que raio faço
dentro dessa firma.
Não vêem? Não percebem:sou eu que
ilumino essas tranqueiras ardidas.
Sou eu que cheiro as tinas, as pessoas,
as vidas. Sou eu que acendo a luz.
Antes não era eu, era um anjo andaluz
que vinha e acendia a luz.
Aliás, não era um anjo, era uma anja.
Uma anja cigana.
Ai, rotina desgraçada,
só posso viver arrotando palavras.
Ninguém lerá esse poema até o final.
Estão todos lendo, estão todos escrevendo.
E eu faço parte desse comboio, desse rebanho
que lê sem saber o que lê e escreve sem saber
sobre o que escreve.
Ai, rotina desgraçada,
só o mar pode me emocionar.
Não, não gritem a minha volta.
Quero ficar em paz, quero dormir e
sonhar com borboletas chinesas a minha volta.
Voltemos a Portugal, a Al-andaluz,
voltemos ao Brasil imperial.
Formemos um Novo Mundo
que não seja esse, e que não
exista mais poesia. Seremos todos
espantalhos das grandes corporações.
Ai, rotina desgraça,
que isso não seja profecia.
E agora, como terminar versos
tão sem lógica e sem sentido?
Ai, rotina fantástica,
o que será que significa tudo isso?

explicação sobre o tédio


Tenho em mim a eletricidade dos dias.
E é por isso que as minhas lágrimas são correntes elétricas.
Sou imenso, um monumento, sou uma hidrelétrica
de versos.
Es ó posso me preencher me movimentando com sonhos.
Raios que me partam, suspiros que me encham, chuvas que gotejem.
Que tédio! Que tédio de viver. Melhor-me-é esse tédio do que o tédio de morrer...
Teclo com fúria a máquina que escreve, e o computador suspira
comigo o mesmo motivo que me impele a existir:
o vazio do tédio me enche de sombras.
O sol, esse ardoroso astro, mais parece
uma bolha de sabão suspensa no espaço.
Que tédio! Que tédio de viver.
Paguem o meu salário com amor,
e eu darei para a sociedade centenas
de versos sobre flores: tulipas, rosas,
qualquer flor que cheire antes da meia-noite.
Ah, essa vida moderna enche os meus olhos
de colírios e fumaças.
Que tédio! Que tédio de viver.
Engulo e traço a matemática, encho-me
de estrelas, átomos, matéria.
As palavras socam o meu coração
de metal e enferrujado pulsam as
minhas veias cibernéticas.
Moderno é o dia que surge entre
casas, faróis, carros, escapamentos.
Quanta tristeza, quanto xingamento.
Não sei se quer fazer uma medida
com réguas, não sei tabuadas, não
sei seguir métricas, não quero jogar
xadrez, não quero aprender a pintar,
não soletro, não divido, não respiro.
Que tédio! Que tédio de viver.
E vivo traçando em minha rotina
a imensa poesia de minha vida
que é a abertura do capital e da
renda que possuo para entrelaçar
esperanças e religiões em livros
que nunca serão lidos.
Que tédio! Que tédio de viver. Melhor-me-é esse tédio do que o tédio de morrer...

O CRISTO CIGANO



para sophya de mello breyner andresen


O cigano andaluz deitado sobre o luar
descansa o seu rosto no espelho do mar.

A cruz em sua mão simboliza suas lágrimas.
A maré que o sufoca o leva até o céu estrelado.

O cristo andaluz mete a mão nas águas
e caminha tranquilo sem rumo pela estrada.

O cigano andaluz deitado sobre o luar
descansa o seu rosto no espelho do mar.

Saudades e lágrimas te fazem chorar!

sábado, 10 de dezembro de 2016

Meus olhos cansados estão a trabalhar,
Em dias, anos, momentos, meus olhos
Cansados de leituras chatas e tediosas,
Meus olhos, inclinados ao vazio cheio da
Existência aterrorizadora, estão cansados.
Ai de mim, estou sentado, pálido como
Um escravo, seco como um osso, feliz
Como as pedras de algum lugarejo abandonado.
E enquanto recebo broncas dias e noites
Meus olhos cansados trabalham.
Aqui dentro não posso ouvir o som da chuva,
Nem o som das estrelas explodindo no espaço.
Aqui dentro ouço apenas o ruído constante do ar-condicionado.
Não reclamo disso, nem daquilo, porque a vida é
Cheia de reclamações e ditames.
Só estou com os olhos cansados, perdido em silêncios.
Estou cheio de mim, estou em um tédio profundo.
Tenho medo de tudo, assim como os meus
Semelhantes desassemelhados-sociais.
Estou sentado esperando a hora da bronca
E todo dia espero a hora em que vou ser enxotado.
Ai de mim, como é ruim ficar desempregado.
Não se pode viver escrevendo asneiras todo dia.
E eu vivo escrevendo as melhores asneiras,
Mesmo tendo os olhos tão cansados.

Poema de amor romântico para ela (quase em estilo provençal)


Quero o amor de ti, donzela,
Quero o teu amor de framboesa.
Quero o céu dos teus cabelos negros, donzela,
Quero o oriente dos espelhos dos teus olhos
Me guiando para além da existência.
Ó donzela de nome profundo,
Me dê um beijo camuflado de
Ondas e sais minerais que ardam
Como a chama dessas estrelas siderais.
Quero o amor de ti, donzela,
Quero o teu amor de framboesa.
Quero o céu dos teus cabelos negros, donzela,
Quero o oriente dos espelhos dos teus olhos
Me guiando para além da existência.
Me deixem aqui, quieto, sem rumo,
Me deixem aqui.
Não venham me encher a paciência
Nem queiram me agradar, estou quieto, 
Quero estar quieto, me agrada ficar quieto.
Um dia todos estarão quietos como eu
Dentro de suas tumbas frias. Por isso
Não venham me encher a paciência.
Me deixem aqui, quieto, sem rumo.
Não quero ver o por-do-sol que é
Sempre o mesmo por-do-sol.
Não quero visitar psiquiatras,
Que são sempre os mesmos psiquiatras,
Não quero ler, nem me atrevo a sentar-me.
Deixem-me ficar de pé, ancorado na eternidade.
Quero estar de pé e escrever com a caneta inúmeros
Versos que não lerão jamais, que não verão jamais.
Quero ficar quieto, sem rumo, petrificado como uma estátua.
Não quero morrer, não desejo morrer, mais morrerei.
Por isso deixem aflito aqui, no canto, lendo e escrevendo.
Não venham me encher a paciência por causa de dinheiro,
Não tenho cara de banco, nem tenho cara de felicidade.
Sou poeta, essa é a razão da minha existência e Deus o sabê.
Quero ficar quieto e sossegado, quero virar um anjo e subir
Até o infinito abraçado com minha companheira e namorar.
Por que não posso desejar a felicidade vendo tanta infelicidade?
Por que não posso ser rico mesmo sendo pobre?
Por que não posso escrever poemas mesmo não sabendo escrever?
Por que não posso somar, dividir, multiplicar, tomar medidas com uma régua,
Mesmo não sabendo fazer nenhuma dessas coisas ridículas da matemática?
Quero ficar quieto e sossegado. Já disse, e volto a dizer,
Deixem-me quieto e sem rumo, deixem-me aqui parado como
Alguém que sabe que nada sabe e que nunca saberá mesmo tentando saber.
Mesmo assim fico contente quando alguém me abraça, ou quando você, minha Amada
Me beija com seus beijos de relâmpagos.
Prometo continuar em frente. Só tenham paciência comigo!

Balada cigana escrita em Al-andaluz


El musulmán tiene amado la gitana! Ay, llama de amor.
(popular sevilhano)

Ela: O que fazes aí?
Ele: Medito em silêncio, penso na vida. Decoro o céu abrindo as estrelas.
Ela: De onde vens?
Ele: De dentro de um rio.
Ela: De um rio?
Ele: Infinito.
Ela: Como se chamas? Qual o teu nome?
Ele: Tenho todos os nomes do mundo.
Ela: Quem amas?
Ele: Aquela cigana.
Ela: E a ela enganas?
Ele: O nome dela é Ana.
Ela: O que dizes de ti mesmo?
Ele: Que amo aquela cigana, Ana.
Ela: Quem te despertou da prisão?
Ele: A própria escuridão.
Ela: Durma tranquilo no céu.
Ele: Meu martelo celebra o teu véu.
Não penso em ti como eu pensava
Porque me dói o pensamento de Amá-la.
E não ama-la é uma tristeza infinita,
E eu vivo sempre a procura-la.
O teu nome eu gravei em meu Peito
E cobri com o Cobre da tortura
E longe me davas a fartura
De ama-la sem nunca te-la
Mais, ai de mim, caiu a Chuva
E aguou os meus olhos os Sonhos
E as Sombras Futuras
Se fizeram luz em meu redor.
E em tua Efigie vi o fogo.
E eu era o destino do teu Amor.

O mundo é um sonho de metal

O mundo é
um sonho de metal
ao meu redor.
por isso 
sonho
angustiado
com estrelas
amarelas
pensando
em tudo o
que me rodeia:
objetos pessoas
filmes notícias.
aprendo
a usar minha
existência
por que assim
o E'terno o deseja.
Ai de mim,
o mundo é
um sonho de metal
ao meu redor,
e eu só penso
nas estrelas amarelas...

Para Rimbaud com vírgulas


A morte é
Uma cigana
Que não quis me namorar.
Águas do mar são fundas,
Águas fundas são as águas do mar.
A morte é
Um touro
Que vive a me chifrar.
Águas do mar são fundas
Águas fundas são as águas do mar.
A morte é
Uma canção tola
Que eu não quero mais cantar.
Águas do mar são fundas
Águas fundas são as águas do mar.
A morte é
Um poema inlegível
Feito por Rimbaud diante do mar.
Águas do mar são fundas
Águas fundas são as águas do mar.