quinta-feira, 14 de agosto de 2025

nota para meu próprio enterro


morrerei num dia sem importância,

talvez numa terça,

talvez enquanto um cachorro coxo

atravessa a rua em câmera lenta.


não haverá manchetes,

ninguém dirá “era um gênio incompreendido”,

e a biblioteca municipal

continuará fechada às segundas-feiras.


talvez alguém lembre de um poema meu

— mal lido, mal entendido —

num bar com cheiro de cerveja velha.

e um bêbado jurará que me conheceu,

embora confunda meu rosto com o de um guitarrista de punk.


no hospital, a enfermeira perguntará:

“senhor, alguma religião?”

e eu direi:

“sou devoto dos livros que nunca terminei”.


a morte não será dramática,

nem bela,

nem um grande final.

será só um corte abrupto,

como quando a luz acaba

no meio de um filme ruim.


e se houver um túmulo,

escrevam apenas:

“aqui jaz alguém que

sempre acreditou que não valia a pena

chegar tão cedo.”


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