quinta-feira, 31 de julho de 2025

Voltei a ser poeta



Deixei a pena como se deixa

um pássaro ferido no escuro.

Fui ao campo,

carreguei pedras,

cavei buracos para os fantasmas da terra.

Minhas mãos, antes cheias de sílabas,

encheram-se de calos e poeira.


As manhãs chegavam com martelos,

os almoços eram pão duro e silêncio,

as noites — um cansaço que apagava o mundo

sem me apagar.


Mas algo,

algo rugia dentro do meu peito,

como se o coração mastigasse vogais.

A enxada pesava menos

do que o poema que eu não escrevia.


As palavras vinham escondidas

na sombra dos bois,

no grito dos homens,

no suor das camisas.


E quando chovia,

oh, quando chovia,

era como se Deus mesmo

rabiscasse versos no barro.


Voltei a ser poeta.

Não por escolha —

mas porque a língua me ardeu na boca

como um fruto esquecido.


Escrevo com a terra debaixo das unhas,

com a fome dos ossos,

com a força que não tem nome.


Voltei a ser poeta.

Como o rio volta ao mar.

Como o fogo volta à lenha.

Como o homem volta a si.


Não peço perdão.

Nem glória.

Apenas deixem-me cantar,

com voz de lavrador,

com mãos de operário,

com alma de barro:

sou um poeta.

E voltei.


Nenhum comentário:

Postar um comentário