Deixei a pena como se deixa
um pássaro ferido no escuro.
Fui ao campo,
carreguei pedras,
cavei buracos para os fantasmas da terra.
Minhas mãos, antes cheias de sílabas,
encheram-se de calos e poeira.
As manhãs chegavam com martelos,
os almoços eram pão duro e silêncio,
as noites — um cansaço que apagava o mundo
sem me apagar.
Mas algo,
algo rugia dentro do meu peito,
como se o coração mastigasse vogais.
A enxada pesava menos
do que o poema que eu não escrevia.
As palavras vinham escondidas
na sombra dos bois,
no grito dos homens,
no suor das camisas.
E quando chovia,
oh, quando chovia,
era como se Deus mesmo
rabiscasse versos no barro.
Voltei a ser poeta.
Não por escolha —
mas porque a língua me ardeu na boca
como um fruto esquecido.
Escrevo com a terra debaixo das unhas,
com a fome dos ossos,
com a força que não tem nome.
Voltei a ser poeta.
Como o rio volta ao mar.
Como o fogo volta à lenha.
Como o homem volta a si.
Não peço perdão.
Nem glória.
Apenas deixem-me cantar,
com voz de lavrador,
com mãos de operário,
com alma de barro:
sou um poeta.
E voltei.
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