quinta-feira, 31 de julho de 2025

Nem nada nem tudo




Te amei como se ama o mar —

com medo e com sede.

Com os pés enterrados na areia da dúvida

e o coração atirado como âncora.


Tu vinhas com o sal nos ombros,

com os cabelos como algas rebeldes,

com o peito nascente

e a voz que soprava marés novas

em meu corpo de velho cais.


Te amei sem saber teu nome antigo,

sem querer teu antes —

porque eras onda,

e a onda não tem passado,

só avanço,

espuma,

e urgência.


No teu corpo navegavam

os navios da minha esperança.

Entre tuas coxas —

o estreito sagrado

onde minha alma perdia o leme.


Oh, sereia de carne e fúria,

teu sexo não era mistério,

mas revelação:

um mapa que o mundo nunca quis ler,

mas onde minha bússola se acendeu.


E quem ousará dizer

o que é homem, o que é mulher,

se até o mar muda de forma

a cada segundo?


Te amei —

nem nada

nem tudo,

mas como quem mergulha

e, afogado, aprende a respirar.


E se algum deus me negar teu beijo,

que me negue o céu,

a fala,

o ar —

mas nunca

a memória

do teu corpo-mar.


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