quinta-feira, 17 de julho de 2025

O Livro do Nome Esquecido

 


fragmentos sobre um judeu que se diz sefardita mas veio do frio

1.
Sou filho de vozes que não se escutam.
O frio da Galícia está na minha nuca,
mas minha língua sonha com o sol de Córdoba.
Sou um judeu do norte
que escreve com letras do sul.

2.
"Mas teu nome é asquenaz!", disse o rabino.
"Teus ossos, não", respondeu a sombra.

3.
Harold Pinter se perguntava se era judeu,
ou apenas um homem de silêncio.
Eu me pergunto se sou sefardita
ou apenas um exílio com gosto de azeite e cinza.

4.
O nome Czaczakes não tem vogais para o deserto.
Ele foi feito para nevascas, para ferros, para portões.
Mas há algo no som —
um sussurro que quer ser um canto ladino.
E quando falo,
algo dança que não aprendi no silêncio

Andaluz.

5.
Minha avó dizia:
"Somos judeus como o pão é pão.
Mas o pão muda em cada terra."
Na sua mesa, o pão era escuro.
Na minha memória, ele é doce,
e vem com tâmaras.

6.
Entre o shtetl e o souk,
sou uma criança perdida
que encontra um espelho
e pergunta:
"Quem és tu, que tem dois rostos e só uma boca?"

7.
O Deus dos meus pais é um Deus Eterno.
O Deus dos meus avós é um Deus.
O Deus que me habita tem nome
porque ainda estou nascendo.

8.
Me chamam de judeu.
Mas o que é isso?
Um corpo com raízes demais
e pátria de menos?

9.
Escrevo não para lembrar,
mas para que o esquecimento não me apague.
Escrevo com o sangue de quatro povos,
mas minha tinta ainda pergunta:
Qual de nós nasceu primeiro?

10.
Pinter escreveu silêncio.
Eu escrevo sombra.
Mas ambos sabíamos:
a palavra é um espelho que quebra
e nunca se junta de novo.

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