Eli Cohen nunca pensou muito sobre o que era. Judeu, diziam. Tcheco, sabiam. Ele mesmo dizia muito pouco. Falava tcheco com os vizinhos e espanhol com a mãe, uma mulher que parecia ter vindo de outro livro — e não do mesmo país. O pai, morto de tuberculose antes que Eli tivesse idade para perguntar qualquer coisa importante, deixara apenas um sobrenome herdado de ninguém. Cohen. Nome de rabino, disseram um dia. Mas ele nunca vira um.
Quando os soldados chegaram a Brno, não disseram "por favor". Eli estava com os sapatos molhados de neve e pensou que talvez devesse correr, mas a irmã o segurou pelo braço e disse: "Não faça nada. Eles contam as coisas." Foi assim que, sem saber o que se passava, ele foi contado.
No campo, ninguém falava espanhol. No início, Eli tentava explicar às pessoas de onde vinha, por que falava como falava. Mas os outros judeus — sobretudo os religiosos, que se agarravam às orações como se cada palavra fosse um pedaço de pão — olhavam para ele com estranheza.
"Esse não é judeu", diziam.
"Fala como cigano."
"Reza em que língua, afinal?"
Eli não rezava. Não por desrespeito, mas porque ninguém o ensinara a fazê-lo. Achava até que orar podia ser bonito, mas as palavras pareciam pertencer a um idioma anterior à sua vida.
Ele foi empurrado de um bloco para outro. Nunca sentia que pertencia a algum grupo — não entre os prisioneiros, nem entre os guardas, nem entre os mortos. Era uma espécie de invisível obstinado, um sobrevivente por descuido.
Quando a guerra acabou, Eli não voltou a Brno. Não por medo — mas porque já não havia para onde voltar. A casa fora saqueada, a irmã desaparecera, e sua mãe havia morrido no comboio que os levara ao campo. Era como se tudo tivesse sido riscado com um único traço rápido, e o mundo agora fosse um esboço.
Chegou ao Brasil em 1947, com um terno que não lhe pertencia e um sotaque que não cabia em nenhuma rua. Trabalhava com o que aparecia: lavava pratos, vendia bananas em feira, consertava ventiladores quebrados. Quando conheceu Monique, ela sorria como quem sabia que o mundo era irremediável, mas ainda assim gostava dele. Era morena, etíope, falava com cadência e uma tristeza que se pendurava nos cantos das palavras.
Eli a pediu em casamento sem nunca ter dito “eu te amo”. Não sabia dizer. Mas ficou doente um dia, e quando Monique o fez sopa, chorou. Chorou como se um campo inteiro escorresse dele. Como se enfim tivesse uma religião.
Eles viveram num bairro esquecido do Rio. Às vezes iam à praia. Monique usava vestidos vermelhos, e Eli ficava sentado olhando o mar como quem tenta se lembrar de um nome antigo. Ela o chamava de “meu judeu triste”, e ele sorria com o canto da boca.
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