terça-feira, 24 de junho de 2025

Ele escrevia poemas como quem rasgava lençóis sujos

 Ele escrevia poemas como quem rasgava lençóis sujos — versos que cheiravam a sexo, a revolta, a noite que não perdoa. Nos bares, era lenda viva: falava de corpos, de desejos, de fúria contra o pudor e a hipocrisia. A palavra era faca, punhal, carne exposta.

Mas o tempo tem o dom de ferrar tudo. No fim, ele se calou. A voz que incendiava virou sussurro contido em sermons e domingos cinzentos. Passou a frequentar missa todo domingo, a usar terno alinhado, a condenar a libertinagem que antes exaltava.

Os versos sexuais, uma vez brasas vivas, tornaram-se cinzas guardadas num cofre trancado — ou melhor, esquecidas num livro mofado que ele nunca mais quis abrir. Agora, discursava contra o próprio passado, como quem renegasse um filho indesejado.

Ninguém sabe se era remorso ou medo. Talvez fosse só o desânimo de quem viu o mundo virar outra coisa — e perdeu o desejo de gritar.

Nenhum comentário:

Postar um comentário