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E aconteceu que na cidade de Dunwich Hollow, perdida entre colinas cobertas de névoa, ergueu-se um rumor entre os moradores: diziam que sob o solo, mais antigo que qualquer igreja ou cemitério, havia uma cova que não era cova, mas um poço sem fundo. Ninguém ousava olhar dentro dele por mais de um instante, pois os olhos sentiam ser tragados pela escuridão viscosa que ali se escondia.
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E os anciãos advertiam: “Não vos inclineis sobre o poço, porque nele habita um espírito que não tem forma, mas veste-se de todas as formas. E quando ele vos notar, não mais sereis vós mesmos.” Porém, como em toda cidade cercada de silêncio, havia aqueles que não acreditavam e riam das advertências, até que a primeira tragédia caiu sobre os homens.
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Eis que numa manhã de inverno, corpos foram encontrados diante do poço, contorcidos em posições que desafiavam os ossos, como se tivessem sido dobrados por mãos invisíveis. Seus rostos estavam congelados em expressões de terror tão absoluto que nenhum pintor ousaria reproduzir. Alguns afirmaram ter visto, naquela noite, um vulto subir das entranhas do buraco, arrastando véus de névoa e dentes onde não deveria haver boca.
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E nesse tempo vivia na cidade James, um homem comum, sem dons nem glórias, mas que trazia em si a maldição da curiosidade. Pois, tendo perdido esposa e filho a uma febre, buscava no mistério alguma razão que justificasse sua solidão. Quando ouviu as histórias da cova, murmurou consigo: “Se ali há morte, também deve haver resposta, e se resposta houver, saberei.”
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E James aproximou-se do poço numa noite em que as ruas estavam desertas, e o vento rugia como um coro de vozes esquecidas. Ele trouxe uma lamparina, e sua luz parecia murchar cada vez mais, como se a própria chama temesse olhar para baixo. Ele se inclinou, e por um instante viu seu reflexo na escuridão — mas o reflexo não se moveu como ele.
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E o reflexo sorriu com dentes que não eram seus, e abriu os olhos onde James não tinha olhos. Então ouviu-se um sussurro, não no ar, mas dentro da carne, dizendo: “Desce, pois tua forma é minha, e teu medo será meu corpo.” James cambaleou para trás, mas a sensação de que uma mão fria o puxava pelos pulmões o fez vomitar e cair de joelhos diante da borda.
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E na cidade, naquela mesma noite, as casas tremeram, e portas se abriram sozinhas, e espelhos se partiram como se risos invisíveis ecoassem por entre as paredes. O povo se levantou aos gritos, clamando contra o poço, mas nenhum ousou fechar-lhe a entrada, pois cada vez que se lançava pedra dentro dele, ouvia-se um rugido abafado, como se algo mastigasse o próprio mundo.
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E James, consumido pelo terror e pelo fascínio, começou a voltar noite após noite, cada vez mais fraco, cada vez mais distante daquilo que era humano. Seus vizinhos notaram que seu rosto parecia mudar, alongar-se, e que seu pescoço tremia como se algo se movesse por dentro. Mas quando o confrontaram, ele apenas respondeu: “Não falo por mim, mas por aquilo que me habita, e ele ainda não nasceu por completo.”
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E o espírito-monstro cresceu dentro do poço e dentro de James, como se ambos fossem espelhos do mesmo abismo. Havia noites em que o corpo de James parecia dissolver-se em fumaça diante das casas, e depois retornava, trazendo nas mãos insetos mortos e ossos de criança. Os mais velhos clamaram para que a cidade fosse abandonada, mas a maioria não quis partir, e assim permaneceram condenados.
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E numa madrugada de luar vermelho, o monstro ergueu-se do poço, não em corpo único, mas em centenas de bocas costuradas, vozes corrompidas, e patas que arrastavam gritos pela terra. James estava diante dele, e ninguém mais, pois os moradores haviam se trancado em pânico. E o monstro disse, através de sua forma humana: “James, tu és minha porta, e tua morte é meu nascimento.”
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E James tentou fugir, mas seu corpo já não lhe pertencia, e cada passo que dava o arrastava mais para a beira. Chorou, lembrando-se de sua esposa e de seu filho, e clamou por perdão, mas o poço respondeu apenas com risos. Então uma força invisível o tomou, e seus ossos se dobraram ao contrário, e sua carne foi sugada para dentro da escuridão.
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E assim James morreu, não como homem, mas como oferenda. E o poço fechou-se sobre ele com um som de garganta engolindo. Desde então, dizem que Dunwich Hollow não conheceu mais o sol verdadeiro, e que aqueles que se aproximam da cidade veem rostos no chão, movendo-se sob a terra, como se toda a cidade estivesse respirando. E ainda se ouve, entre os ecos, uma voz familiar murmurando: “Eu sou James, e o poço é meu corpo.”
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