guache sobre papel bobinaO BOQUETE
A noite era faca cega,
cortava sem cortar.
Ela acendeu um cigarro
e riu com os dentes brancos,
como se fosse dona da cidade.
Morena, olhos de rua molhada,
pele feita de silêncio e de pólvora,
chegou perto, sem pedir licença.
O mundo inteiro cabia
no gesto breve da sua boca,
boca de incêndio e de vinho,
boca que não prometia nada
mas cumpria tudo.
E eu, homem acostumado
a não acreditar em milagres,
aprendi que certos milagres
acontecem na carne,
no instante em que a respiração falha,
quando a língua vira destino
e o corpo inteiro agradece em silêncio.
Morena, mulher sem piedade,
sua boca foi arma, foi abrigo,
foi oração profana
que me deixou de joelhos,
rindo como quem perde
e ao mesmo tempo
ganha o mundo.
Expressionismo AbstratoQuadro! Quadro-quebra!
Pincel urra-urra,
tinta cai-cósmica,
drip-drop, gotejo de planetas.
Ah! Kandinsky-gigante! Pollock-raio!
Linhas são trovões —
cores são cães ladrando no espaço!
Pá! Plash! Prash!
Vermelho estoura em silabassangue,
azul gira em círculossom,
preto mastiga o branco
como boca que não quer calar!
Expressionis! Abstraktos!
não há homem, não há rosto,
apenas a alma aberta em salpicos,
um deus sem forma
escorrendo no chão da tela.
E nós — público órfão —
gritamos junto às cores,
somos borrão, somos mancha,
somos verbo virando cor,
somos cor virando grito,
somos grito virando nada,
somos nada — mas ardendo!
Modelo nua
tua nudez é um país aberto
onde o sol repousa sem sombra
vejo-te
antes do carvão, antes da cor
antes do gesto da mão que hesita
a curva do ombro acende uma geografia,
o ventre: um silêncio de areia,
a coxa: um rio demorado que busca
no quadril sua foz invisível
não és objeto:
és presença respirando na sala
um rumor de sangue
atrás da pele que reluz
e eu, aprendiz da eternidade,
recolho a luz que escorre de ti
para que a tela saiba,
quando a primeira linha nascer,
que esteve diante de uma chama viva
que era corpo e era mulher
e era também o mundo
nu diante de mim.
!!!
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