domingo, 24 de agosto de 2025

Não existe guarda-roupa - conto

Entraram com ele na sala.

Uma lâmpada suja, uma mesa.

De um lado, homens de terno.

Do outro, uma multidão sem rosto.

O juiz bateu o martelo:

— Acusado, o senhor confirma ter usado o guarda-roupa?

Ele respondeu:

— Sim. Entrei e saí em outro mundo.

As árvores tinham olhos.

As pedras falavam.

Eu vi minha mãe morta, viva.

Os advogados riram.

As paredes tremeram como gelatina.

Um promotor cuspiu palavras secas:

— Mentira. Delírio. Obscenidade.

Ninguém atravessa um móvel velho.

Guarda-roupas não são portais.

Ele tentou explicar:

— A madeira cheirava a infância.

As portas rangiam como sinos.

Atravessei, eu juro.

Estava lá, eu vi.

O tribunal inteiro levantou-se de uma só vez,

como se fossem uma plateia ensaiada.

A sentença veio limpa, cortante:

— O réu está louco.

Não há julgamento.

Não há crime.

Não há tribunal.

E então, tudo se dissolveu.

As togas sumiram.

O martelo virou colher.

A mesa, uma maca.

O público, enfermeiros de branco.

E o juiz, sorrindo com dentes podres, disse:

— Aqui não existe guarda-roupa.

Só existe você.

E este hospício.



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