domingo, 24 de agosto de 2025

Elogio ao cigarro

Fumo o meu cigarro como quem esquece.

O lume arde na ponta,

um pequeno sol inútil,

um instante de eternidade que se consome.


O cigarro não é vício,

é metáfora.

É o tempo que se queima em cinza,

é a vida que se dissolve em fumo,

é o pensamento que se eleva

e logo desaparece.


Enquanto fumo,

sinto-me dono de uma liberdade falsa,

como se o mundo fosse apenas

a tragada seguinte.

E talvez seja.

Porque o cigarro não promete nada

além de si mesmo.

E nisso, é mais honesto

que os deuses e que os homens.


Fumo porque sim.

Porque a brasa é um relógio silencioso,

porque o fumo escreve poemas no ar

que ninguém lerá,

porque há uma paz estranha

em assistir ao próprio desaparecimento

em pequenas baforadas.


Não há filosofia mais clara que esta:

sou como o cigarro que fumo,

feito de corpo e de cinza,

ardendo no tempo,

gastando-me,

até ao fim.


E quando acabo,

quando a ponta se apaga,

não há tragédia —

há apenas o chão sujo

e o silêncio da vida

que continua sem mim.



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