A festa estava exuberante. Lustres pendiam como cristais derretidos. Tapetes vermelhos abafavam os passos dos convidados, todos impecáveis, todos esnobes. O champanhe borbulhava, a conversa era riso contido, olhares avaliando cada detalhe, cada jóia, cada sorriso falso. Então entrou. Vermelho de vermelho, do chapéu ao sapato. Olho torto, boca torta, corpo estranho que parecia dançar sozinho. Todos se afastaram por um instante, mas logo, rindo, aplaudiram. Era o espírito da festa, disseram, o toque de audácia, a estrela do baile de máscaras. Ela caminhava pelo salão. Cada passo um gesto de escárnio para a riqueza ostentosa. O corpo inclinado, tremendo, como se carregasse séculos de doença. Mas ninguém via além da fantasia, da audácia do vermelho. “Ela deve ganhar”, cochicharam, “olhem que criativa!”. Chegou o momento. A corte de ouro do salão cercou-a, todos com sorrisos e mãos estendidas. Iam tirar a máscara. O riso tornou-se estrondo, a pompa virou expectativa.
Quando a máscara caiu, não havia máscara. Não havia riso. Havia uma mulher inteira, ou talvez metade de mulher, metade peste negra. Feridas abertas, carne marcada, olhar que implorava e amaldiçoava ao mesmo tempo. O salão congelou. O rubor dos vestidos e gravatas se tornou cinza. Os ricos, espantados, recuaram, tropeçando nos próprios sapatos de verniz. E ela apenas caminhou. Vermelha e torta, a boca rindo como se todos ali fossem brinquedos. A peste negra não era fantasia. Nunca fora. Ela passava pelo salão, atravessando a riqueza, atravessando o tempo, atravessando a morte que a todos espreitava. No dia seguinte, ninguém falaria disso. Uma memória difusa, talvez apenas um pesadelo coletivo. Mas a máscara não se esqueceria. Nem a verdade de que, por trás de todo luxo, a morte sempre dança com vermelho.
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