quinta-feira, 31 de julho de 2025

Os Filhos dos Mortos



Nos fundos da casa, um judeu menino

ouvia a faca do pai tilintar no bar.

Não era o choro — era mais fino,

um metal que tentava se explicar.


A mãe, de xaile e crucifixo torto,

parava à porta, entre o sim e o não,

com um pé no templo e outro no aborto

de acompanhar o homem na perdição.


As cadeiras caíam sem cerimônia.

O copo fazia do chão uma oferenda.

O menino aprendia a ler a insônia,

como se fosse Torá — ou uma lenda.


Ele não era ninguém. Apenas um ramo

de uma árvore antiga e envenenada.

Carregava no sangue o mesmo drama:

a sede, a culpa, a estrada calcinada.


A cidade ria das roupas do pai.

Os goys cuspiam no pão de sábado.

Mas nada o feria mais do que o ai

não dito nos olhos da mãe ao lado.


Ela orava por Jesus. E por Javé.

Pedia que o filho não fosse igual.

Mas o menino, sem céu nem fé,

tinha no peito o frio do final.


E um dia sumiu. Como som de chuva

que se perde entre trilhos e ferrugem.

Restou na estante uma estampa suja

e o eco da faca — sem mais vertigem.


Oh filhos dos mortos, sem chão ou abrigo,

criados em becos de medo e tensão,

são como árvores que o vento abriga,

mas nunca lhes firma raiz no chão.


Nenhum comentário:

Postar um comentário