Nos fundos da casa, um judeu menino
ouvia a faca do pai tilintar no bar.
Não era o choro — era mais fino,
um metal que tentava se explicar.
A mãe, de xaile e crucifixo torto,
parava à porta, entre o sim e o não,
com um pé no templo e outro no aborto
de acompanhar o homem na perdição.
As cadeiras caíam sem cerimônia.
O copo fazia do chão uma oferenda.
O menino aprendia a ler a insônia,
como se fosse Torá — ou uma lenda.
Ele não era ninguém. Apenas um ramo
de uma árvore antiga e envenenada.
Carregava no sangue o mesmo drama:
a sede, a culpa, a estrada calcinada.
A cidade ria das roupas do pai.
Os goys cuspiam no pão de sábado.
Mas nada o feria mais do que o ai
não dito nos olhos da mãe ao lado.
Ela orava por Jesus. E por Javé.
Pedia que o filho não fosse igual.
Mas o menino, sem céu nem fé,
tinha no peito o frio do final.
E um dia sumiu. Como som de chuva
que se perde entre trilhos e ferrugem.
Restou na estante uma estampa suja
e o eco da faca — sem mais vertigem.
Oh filhos dos mortos, sem chão ou abrigo,
criados em becos de medo e tensão,
são como árvores que o vento abriga,
mas nunca lhes firma raiz no chão.
Nenhum comentário:
Postar um comentário