terça-feira, 8 de outubro de 2024

o professor - conto

 

O PROFESSOR
Ela veio da Argentina, mais ou menos de Buenos Aires, eu acho, e sentou-se na mesa e ficou me observando por um longo tempo. Era loira, muito alta, seus olhos pareciam ser verdes, ou azuis, não prestei atenção nessas coisas, eu estava escrevendo um poema, e ela parecia prestar atenção nisso. Por fim se apresentou. Me chamo Elsa, eu já sabia, respondi, não foi você que me escreveu aquelas cartas? sim, professor, fui eu mesma, ela queria muito saber alguma questão sobre a literatura de Machado de Assis, eu disse apenas que eu era professor de literatura portuguesa e não brasileira, e ela deu risada. Começamos a falar de coisas sem sentido: sobre a chuva que estava a cair lá fora, sobre o uso ridículo das pessoas de automóveis, sobre a indiferença dos direitos humanos, e sobre religiões asiáticas antigas, como o xintoismo e o hinduismo. Ela me ouvia estasiada, talvez por causa da minha longa retórica de judeu ocultada por uma inventividade que, julgo eu, devo a Fernando Pessoa, então qual dos seus heteronimos é o preferido, prefiro  Álvaro de Campos, por que? ele é o mais parecido comigo, um contemporâneo não é, acho que sim, ele mesmo foi criado na língua inglesa e eu também, mas o senhor fala um excelente portugues e um ótimo espanhol, sim, meu pai era portugues e minha mãe era brasileira só que ela descendia de espanhóis judeus sefarditas, e essa história é longa, Eu tenho bastante tempo, não vou voltar agora para o avião, te encontrei e quero ouvi-lo.  Tomei um pouco de vinho, e comecei a mostrar a ela o meu poema, e ela achou ele muito difícil, é uma linguagem Camoniana, não é? é, respondi meio tímido. Gostaria de saber sobre sua vida, bem, eu fui modelo, e como se interessou por poesia e literatura brasileira, comecei lendo borges, depois encontrei um livro, Memória Póstuma de Brás Cubas, achei ele fantástico, você escreve também, tem alguma coisa para me mostrar, tenho, ela tirou um pequeno caderno de couro vermelho e passou a me ler em um espanhol belos poemas que me lembraram vagamente as composições andaluzas de Lorca. Me parecem muito andaluzes, eu sou descendente de andaluzes, é mesmo? meus pais eram de Sevilha, emigraram para a Argentina no tempo da guerra civil espanhola, esse fato é interessante, escreva sobre isso. Me despedi dela na esquina, ela me deu um beijo na boca. Nunca mais voltei a ver seu rosto. No verão passado começo a dor aulas de literatura Brasileira na Universidade de Coimbra, em Portugal.

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