sexta-feira, 12 de dezembro de 2025

O ASSUSTADOR PICASSO FINAL ERA SÓ O COMEÇO: o monumental Picasso!


O último trabalho de Pablo Picasso, na minha opinião, chegou à própria essência do que a arte poderia ser — e isso não é um elogio confortável. É um desconforto. Um arrepio. Um incômodo que não passa. O Picasso final não queria agradar, não queria convencer, não queria sequer explicar. Ele queria permanecer. E permanecer, no caso dele, significava agredir o olhar burguês que ainda esperava “obra-prima”, acabamento, harmonia, sentido.

As últimas telas são feias. Feias de propósito. Feias como um espelho quebrado jogado na cara da história da arte. São desenhos quase infantis, corpos deformados até o limite da caricatura, cores que parecem escolhidas com desprezo pela elegância. E é exatamente aí que Picasso vence de novo. Quando todos esperavam o sábio, ele entrega o selvagem. Quando esperavam síntese, ele entrega excesso. Quando esperavam conclusão, ele oferece um começo brutal.

Me arrepia a frase final que dizem que ele expirou no leito: que a pintura ainda estava para ser descoberta. Não é falsa modéstia, nem delírio senil. É arrogância lúcida. Picasso sabia que tinha esgotado não a pintura, mas o conforto que tínhamos com ela. O que viria depois não seria continuidade estilística, mas uma continuação lógica do gesto: a licença absoluta para errar, deformar, roubar, copiar, reinventar.

Porque Picasso sempre copiou. Copiou Velázquez, copiou Goya, copiou africanos, copiou crianças, copiou a si mesmo. E fez disso um método. Apropriação com fome. Imaginação com sede. Inventar, para ele, nunca foi criar do nada, mas devorar tudo. O Picasso final escancara isso sem vergonha: ele já não disfarça, já não negocia com o bom gosto, já não pede permissão à tradição — ele a usa como material descartável.

Daí o susto. O Picasso final é assustador porque retira qualquer álibi moral da arte. Não há progresso, não há elevação, não há redenção estética. Há apenas insistência. A arte como pulsão, não como monumento. Como gesto que continua mesmo quando o corpo falha.

Talvez por isso a frase sobre a pintura ainda por descobrir soe tão perturbadora. Ela sugere que os novos pintores — picassianos ou não — não herdaram um estilo, mas um problema. E um problema sem solução. O último Picasso não fecha nada. Ele abre. Abre um campo onde a arte não precisa ser bela, nem nova, nem original — apenas necessária.

O Picasso final era só o começo. E isso é o que mais assusta.

Nenhum comentário:

Postar um comentário