Que a história de Margoon seja contada não em salões dourados, mas em torno de fogueiras moribundas, pois carrega o cheiro da tragédia e o peso da verdade amarga: o homem não pode deixar o terror em paz. A lenda sussurrada entre os povos antigos do Novo Continente remonta a éons antes que os navios de velas brancas rasgassem o horizonte, começando com a queda silenciosa de uma estrela ferida. Não era fogo celeste nem metal puro, mas uma prisão forjada no vazio, expelindo do firmamento um espírito de pura malevolência, cuja iniquidade era tamanha que o próprio tecido do céu o havia rejeitado; ele tombou na Terra como uma ferida fumegante, aninhando-se nas profundezas da floresta que um dia seria chamada Verdejante, e de lá, o monstro de nome Margoon, com paciência fria e determinação pétrea, começou o seu lento e implacável trabalho de libertação.
O meteorito em si era uma coisa de beleza terrível, um núcleo de obsidiana fria e cinzenta, manchada por veios de um metal que não existia nas minas dos homens, e que irradiava um pavor visceral capaz de fazer tremer o coração de um guerreiro endurecido; ele não era apenas o local de queda, mas a última cela, um sarcófago estelar que, por milénios, conteve o apetite insaciável da criatura. Margoon, a quem os antigos chamavam A Sombra Que Caça, não era uma fera de carne e osso, mas um tumor espiritual que se alimentava do medo e do sangue, e a sua lenta dissolução daquela prisão de rocha cósmica marcava os anos com uma crescente escuridão que pairava sobre os carvalhos e os cedros da Verdejante.
Os primeiros a descobrir a verdade foram os indígenas, o Povo da Pedra Estelar, que não se aproximaram com machados e picaretas, mas com oferendas de cinzas e o silêncio respeitoso que se deve a um deus sombrio adormecido. Eles viram o meteorito não como um recurso ou um troféu, mas como um nó de poder e desgraça, e compreenderam instintivamente a necessidade de manter a cadeia. Os fragmentos menores que se desprenderam na queda foram recolhidos com luvas de couro e temor, e o metal frio e denso foi pacientemente forjado para criar as únicas armas que conseguiam infligir algo que se assemelhasse à dor na criatura, servindo não para matar, mas para aterrorizar e, acima de tudo, para reafirmar o controlo.
Estabeleceu-se, assim, um pacto não escrito, uma lei de terra e espírito mantida pela tribo ao longo de inúmeras gerações: a floresta Verdejante, com o seu emaranhado de sombras e raízes ancestrais, era o território de caça particular de Margoon, a sua masmorra e o seu reino. As fronteiras eram marcadas não por estacas, mas pelo cheiro subtil de podridão e o eco do silêncio; ninguém do Povo da Pedra Estelar entrava sem extrema necessidade, e se o fizesse, era apenas depois de rituais e súplicas, sempre carregando o peso daquelas armas forjadas em estrela, na esperança de que o monstro mantivesse a sua palavra silenciosa e contentasse a sua sede dentro dos limites sombrios que lhe haviam sido concedidos.
O frágil e sangrento equilíbrio, no entanto, foi ameaçado no momento em que a brisa do mar trouxe o sal e a estranheza dos novos chegados. Os colonos, homens de barba espessa e olhos ávidos, desembarcaram com um ruído de metal e pólvora que era um insulto ao silêncio ancestral da terra. Não traziam consigo o respeito dos antigos, mas a avidez impaciente dos que veem em cada floresta e cada montanha apenas o valor de troca e o potencial de exploração, e os avisos solenes da tribo sobre a escuridão na Verdejante foram recebidos com sorrisos condescendentes e a arrogância cega que sempre precede a ruína.
Foi a cobiça que selou o destino de muitos. Quando os colonos descobriram os fragmentos do meteorito, viram não a prisão de um ser maligno, mas um minério de dureza e beleza sem igual, perfeito para reforçar os seus machados e cravos. Eles avançaram sobre o local da queda com a imprudência dos ignorantes, desmantelando os frágeis limites sagrados e transformando o metal de contenção em ferramentas de comércio, ignorando os gritos silenciados dos indígenas e zombando do terror que sentiam ao tocar o metal frio e vivo, sem compreender que cada estilhaço que removiam era um corte na corrente que mantinha o Leviatã acorrentado.
O despertar de Margoon não foi um rugido, mas um silêncio pesado e oco que engoliu a luz na orla da floresta, e o primeiro a cair foi o lenhador gordo, de nome Thomas, que nunca mais foi visto, a não ser pelos rastos de vísceras espalhados pelas raízes. Seguiram-se noites de terror indescritível, onde os gritos dos homens e o gemido das mulheres faziam o ar vibrar, e os colonos, antes tão ruidosos em sua presunção, descobriam a realidade fria e viscosa de um predador que não caçava por fome, mas por prazer, saboreando cada pedaço de pânico antes de libertar a alma da sua carne.
Margoon, alimentado pelo terror e agora livre dos constrangimentos dos fragmentos roubados, começou a crescer em poder, manifestando-se não apenas como uma sombra rápida, mas como uma presença densa e nauseante. O pântano na orla da Verdejante começou a apodrecer ainda mais depressa, as árvores definhavam, e o monstro, outrora contido pelo antigo medo, agora aventurava-se para fora do seu domínio, invadindo os campos recém-lavrados e deixando para trás um rasto de sangue e desespero que não podia mais ser ignorado ou atribuído a feras comuns.
A tribo, no entanto, alcançou o seu ponto de rutura após a tragédia da Última Colheita, quando Margoon, num ataque de ousadia e maldade recém-descoberta, avançou até aos limites do acampamento e ceifou mais vidas numa única noite do que os piores invernos. O cheiro a sangue e cinzas forçou o conselho a enfrentar a verdade mais dura: o abandono do local significaria apenas libertar o monstro para devastar toda a região, transformando o seu problema numa praga para todos os povos. Conscientes da sua incapacidade de destruir completamente a abominação, cujas raízes estavam na própria estrela, um plano novo e desesperado começou a ser traçado.
A decisão foi tomada à luz bruxuleante das fogueiras, com os rostos dos anciãos marcados pela dor e a resignação. Não podiam matar o deus caído, mas podiam acorrentá-lo novamente, não com a força da espada, mas com a paciência da terra e o sacrifício. O plano era de uma simplicidade terrível: entrar no coração do domínio de Margoon, o local da queda da estrela, recuperar os fragmentos do meteorito que os colonos tinham deixado para trás, e depois, um por um, enterrá-los num vasto perímetro que circundaria toda a floresta Verdejante, formando um anel de metal frio e poder cósmico que o monstro não ousaria atravessar.
A expedição para recuperar os fragmentos foi uma marcha para a morte potencial, uma descida ao reino da Sombra Que Caça, onde cada passo era um ato de fé e desafio. Os guerreiros, armados com as poucas lâminas de estrela restantes e corações pesados, tiveram de lutar não só contra Margoon, mas contra a própria atmosfera da floresta, agora espessa e doentia, enquanto recolhiam os cacos de pedra e metal que queimavam com um frio não natural ao toque. Cada fragmento era um pedaço da prisão que regressava, e o seu peso físico era ínfimo comparado ao peso da responsabilidade que carregavam.
E assim, o trabalho final foi iniciado: o anel de pedra estelar. Ao longo de luas de labuta silenciosa e sangrenta, os fragmentos foram depositados na terra, numa linha de fronteira sagrada e profana que circundava a Floresta Verdejante como uma cicatriz escura na face do mundo. Margoon, sentindo o retorno das suas correntes, lutou com uma fúria selvagem, mas a barreira de seu próprio sangue solidificado e a antiga magia da pedra estelar prevaleceram, impedindo-o de sair. O monstro estava contido, mas não vencido, e o perímetro permanecia como um aviso perpétuo: a paz era apenas um intervalo silencioso entre gritos, e o Povo da Pedra Estelar tornara-se o carcereiro eterno do mal, condenado a vigiar a floresta para sempre.

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