Moše Rafael Attias nunca esteve na Pérsia. Mas o chamavam de judeu persa. Talvez porque toda alcunha judaica nasce do equívoco, da tradução impossível. Ele aceitava o título como quem aceita um exílio — outro entre tantos.
O judeu persa falou. Falou em ladino, em hebraico, em turco, em espanhol arcaico. Falou como quem quebra espelhos, cada palavra refletindo uma versão diferente de si mesmo. Disse que sua genealogia era feita de errâncias. Disse que os livros que escreveu eram mapas de fuga. Disse que as notas de rodapé eram mais verdadeiras que o texto.
Moše escrevia Sarajevo como quem inventa Jerusalém. Em suas crônicas, o bairro sefardita virava Talmude. Cada rua era um midrash, cada esquina uma prece interrompida. Borges, que viria depois, poderia ter sido seu leitor secreto. Jacques Fux diria: *Attias escrevia no plural, mesmo quando usava o singular.*
O judeu persa falou. Não pediu ser entendido. Pediu apenas ser lido, mesmo que mal. Talvez soubesse que a literatura é feita de erros de leitura. Que o leitor ideal é aquele que se perde.
Pérsia, Espanha, Portugal, Bósnia — todos os nomes são um só, e nenhum. A diáspora é isso: trocar de pátria sem trocar de silêncio.
E eu ouço: o judeu persa falou.
Falou e deixou, no ar, não uma resposta,
mas a pergunta infinita que sustenta a memória.
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