terça-feira, 9 de setembro de 2025

Minha Literatura Fria

Minha literatura é fria,

como o vento que atravessa janelas esquecidas,

como o luar que cai sobre quintais vazios.

Ela guarda o eco de palavras mortas,

a sombra de ideias que já não existem.


Escrevo, e o tempo me observa, paciente e impiedoso.

Cada letra é marca em areia que o mar apaga.

Cada página é ponte sobre um rio que corre para o fim,

onde nada permanece, nem o nome, nem a memória.


As memórias se desfazem como névoa.

Vejo rostos que já não reconheço,

lugares que desapareceram sob a chuva ou o abandono,

e sinto que tudo que escrevi

não passará de pó entre os dedos.


O fim está presente em cada frase.

A morte não é apenas do corpo, mas do instante,

do gesto, da palavra que não se repete.

E a literatura, fria como ela é,

revela a verdade do desaparecimento.


Às vezes, tento capturar a beleza que fui,

as lembranças que pensei eternas,

mas elas escorrem entre minhas mãos,

como água entre pedras lisas de um rio seco.


O silêncio me responde.

Ele não condena, mas não conforta.

Ele é testemunha da fragilidade da vida,

da transitoriedade de tudo que é amado,

e da inexorável passagem do tempo.


Mesmo assim escrevo.

Não para escapar do fim, mas para olhar de frente,

para meditar sobre o que permanece na ausência:

o cheiro da página, a curva da letra,

a sensação de ter tentado eternizar o efêmero.


Minha literatura é memória congelada,

um espelho de sombras,

um caderno de esperanças que morreram antes de florescer.

E nela encontro a minha própria solitude,

a consciência de que tudo é transitório,

e que o homem nada possui além do instante.


Ainda assim, há um fio tênue de beleza:

a percepção de que a fragilidade é humana,

que o desaparecimento é natural,

e que escrever é um gesto de coragem,

uma resistência silenciosa contra a completa nulidade.


Cada palavra é réstia de lume,

cada parágrafo, sinal de que existi,

mesmo que ninguém jamais leia,

mesmo que o mundo inteiro se desfaça

e eu junto com ele.


O tempo segue seu curso inexorável,

e a literatura fria se acumula como neve sobre ossos antigos.

Mas no frio há clareza,

na solidão, contemplação,

e no fim, uma estranha forma de eternidade:

não a da presença, mas da lembrança que se esforça para sobreviver.


Minha literatura é fria, mas é minha.

E nela encontro a paz de saber

que, mesmo diante do desaparecimento de tudo,

a tentativa de eternizar é já um gesto de vida,

um suspiro contra o silêncio do tempo,

uma meditação sobre o que somos

antes que o mundo nos esqueça.




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