O nome dele era Elias.
Mas na mesa do Turco, no fundo do bar São Jorge, chamavam ele de "Russo", por causa da fixação: Dostoievski. Era o nome que ele mais repetia entre um gole de pinga e uma ficha suada de aposta.
— Dostoievski perdeu tudo jogando, sabia? E escreveu o maior romance do mundo, *O Jogador*.
Os outros riam. Mas Elias falava sério. Ele queria aquilo. A miséria e a glória. A sarjeta e o livro.
Tinha mulher — Clara — e um apartamento pequeno na Vila Maria.
Trabalhava como auxiliar de almoxarifado numa firma de logística. Mas o que fazia seu coração bater mais rápido era o rolar dos dados, o baralho, o tilintar da roleta no boteco clandestino da Rua Canindé.
No começo, apostava pequeno. Só pra sentir o gosto. Depois, dobrou. Depois, vendeu a TV. Depois, pediu empréstimo no nome da mulher.
Clara chorava em silêncio, até o dia em que gritou:
— Você vai acabar como um lixo na calçada, com um papel na mão achando que é um romance!
Ele respondeu com um tapa.
Nunca mais a viu.
Perdeu o emprego no mês seguinte.
O dono da firma descobriu que Elias andava vendendo materiais da empresa por fora pra cobrir uma dívida com o China, o agiota que frequentava o mesmo bar.
Quando a polícia bateu na porta, ele já tinha sumido.
Foi parar num quartinho imundo, dividindo com um travesti raivoso chamado Gisele e um cachorro manco.
Continuava apostando.
Agora em brigas de galo, dominó, até corrida de baratas.
Carregava um caderno velho, onde escrevia frases soltas entre um trago e outro.
Frases como:
*“Deus é o nome que os fracassados dão ao azar.”*
ou
*“O homem não é bom nem mau, é um dado girando no escuro.”*
Dizia que estava escrevendo *O Novo Irmãos Karamázov*.
Que a sarjeta era sua Rússia.
Que o boteco era seu Kremlin.
E que ele, Elias, o Russo, era o próximo gênio incompreendido.
Uma noite fria, em junho, deitou-se numa calçada do Brás com um papelão cobrindo o peito.
Tinha perdido tudo de novo — inclusive a carteira com os últimos vinte reais.
No sonho, estava numa sala iluminada, lendo seu romance para uma plateia elegante.
Recebia aplausos.
Nabokov sorria na primeira fila.
Dostoievski se levantava, vinha até ele e dizia:
— Você conseguiu, Elias.
Na manhã seguinte, um lixeiro o encontrou.
Morto, com os olhos abertos, um sorriso torto no rosto, e um papel sujo na mão onde se lia:
*“Capítulo Final – O homem que apostou tudo pela palavra.”*
Ninguém reclamou o corpo.
Foi enterrado como indigente.
Mas o papel foi parar com um policial literato, desses estranhos que ainda leem Bukowski e Rubem Fonseca.
Guardou o bilhete.
E de vez em quando, quando a bebida sobe e a noite pesa, lê em voz alta:
— *O homem que apostou tudo pela palavra.*
E sorri. Como quem perdeu.
Ou ganhou.
Difícil saber.
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