A moça está parada diante do balcão.
O letreiro vermelho pisca: COCA-COLA.
Ela não pede.
O homem atrás do balcão espera, mastiga um chiclete.
Ela pensa que se pedir, vão ouvir seu sotaque. Vão perguntar o passaporte. Vão perguntar o visto. Vão perguntar demais.
Não é o medo de ser presa — é o medo de ser descoberta.
Não quer que saibam que veio de um lugar onde o inverno é tão longo que o sol se esquece da gente.
Na Rússia, pensou, até a alegria é fria.
E ela não quer mais a Rússia.
Mas a Rússia quer ela: vive atrás dos olhos, nos gestos de segurar uma xícara, no jeito de trançar o cabelo, no nome que ninguém sabe pronunciar direito.
Às vezes sonha que voltou. Não pelas ruas, mas pelo cheiro — carvão queimando, sopa de beterraba, lenha molhada.
Acorda com a garganta cheia de neve.
O homem do balcão se impacienta.
— Vai querer o quê, moça?
Ela sorri rápido, como quem se desculpa por existir.
— Água.
Sempre água.
A água não faz perguntas.
Sai do bar com o copo na mão e tenta acreditar que é só uma imigrante qualquer numa cidade qualquer. Mas no reflexo da vitrine, vê um pedaço de Moscou grudado no seu rosto.
E sabe que não importa o quanto tente esquecer: o que é inverno por dentro não derrete.
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