terça-feira, 22 de julho de 2025

O Tabuleiro de Âmbar

 Na tarde em que a chuva caiu como unhas batendo no telhado da Casa dos Meninos Esquecidos, Nelly e Jaco exploravam o sótão.

Eles não tinham nada. Nem pais. Nem brinquedos. Nem sequer um cobertor que fosse realmente deles. Mas tinham um ao outro. E tinham a curiosidade.

Foi Jaco quem viu a caixa: de madeira escura, com inscrições douradas que se retorciam como serpentes. No centro, uma gema âmbar do tamanho de uma maçã parecia pulsar com luz própria.

— “DINODAR” — leu Nelly, soletrando a palavra entalhada na tampa.

— Parece um jogo — disse Jaco.

Abriram. Havia peças de osso, cartas duras como pedra, e um tabuleiro dividido em terras rachadas, florestas jurássicas e mares esquecidos. No canto inferior, lia-se:
"Quem jogar, liberta o que dorme. Quem vencer, sela o tempo."

Eles jogaram.

Na primeira jogada de Nelly, o dado caiu em um número seis.

O chão tremeu.

Da lareira apagada da sala, surgiu uma cauda coberta de escamas. Um Velociraptor, ágil como trovão, saiu em disparada e desapareceu pela janela quebrada.

— Não é possível... — murmurou Jaco.

Mas era. E o jogo continuava a brilhar, exigindo sua jogada.

Quando Jaco lançou o dado, algo rugiu do jardim. Um Tricerátopo do tamanho de um carro trotava entre as roseiras mortas.

— Precisamos parar isso! — gritou Nelly.

— O jogo não deixa — disse Jaco, apontando para o dado, que agora flutuava, quente como lava.
Uma carta emergiu do tabuleiro:

“Só quem chegar ao centro pode fechar o ciclo.”

Jogada a jogada, mais criaturas surgiam. Um Pterodáctilo pousou no sino da igreja abandonada. Um Tiranossauro Rex rugiu entre as casas desabitadas do vilarejo.

Enquanto os dinossauros tomavam conta do mundo real, Nelly e Jaco corriam, escondiam-se, protegiam-se e... continuavam jogando.

Nelly tirou um dez. A peça dela avançou em espiral até a borda central do tabuleiro.
Mais uma jogada. Mais uma chance.

O céu ficou escuro. O tempo parecia inverter. As sombras alongavam-se.

Jaco lançou o dado final.

Do âmbar central, uma luz branca jorrou. Um vento ancestral envolveu os dois. Os dinossauros rugiram juntos. E então... silêncio.

Quando os irmãos abriram os olhos, estavam no sótão. O jogo estava fechado, limpo, como se jamais tivesse sido tocado.

Nelly e Jaco se entreolharam. Não disseram nada.

Mas guardaram o tabuleiro numa caixa de ferro. Trancaram com cadeado. Enterraram no fundo do quintal.

Ninguém acreditaria. Mas eles sabiam.

E toda vez que a chuva caía como unhas no telhado, eles se perguntavam:

"E se alguém encontrar o Dinodar de novo?"

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