A CRISE
Se há uma crise,
Ay, coração noturno,
Existe uma crise
Dentro do coração
Sonâmbulo de mil amores.
Rosas & neves
Que assolam a póstuma
Mensagem marinha
Dos ritmos do amor.
Ay, coração noturno.
Estrelas e mares
Que podem percorrer
As bocas dos amores
Em beijos de peixes.
Pedra e vidro e coca-cola
O deserto e o samba,
Todos os brasileiros rindo
Mas existe uma crise, uma crise
Feita de areia e cores densas.
O MAR
Eu vi o mar, e o mar era grande,
E o mar ia e vinha, e o mar caminhava
Sem pés algum, sem mãos me tocava,
Sim, o mar, eu vi o mar, gota a gota,
E cada estrofe que eu compus
Foi o mar vomitando como se
Da-se conta de seus mortos,
Como se quisesse dizer meu nome para
As estrelas azuladas, e eu ali, tímido,
Pequeno, cabeludo, eu mesmo, Max Stein,
Olhando o abismo que há entre o Brasil e a África,
ESSE ABISMO É APENAS O MAR, O MAR QUE AFASTA E APROXIMA,
O MAR QUE DANÇA EM BELAS PINTURAS SURREALISTAS DURAS.
RELEMBRAR É O CAMINHO
Eu não sei o que dizer.
E quando isso acontece
O bom é relembrar coisas
Belas que já esqueci na memória.
Vamos lá:
lembrar que li todas as cartas de Elizabeth Bishop
e li seus poemas completos enquanto o vento de Adamantina
assoprava em meu rosto sua brisa gelada e deliciosa e me deixava com vontade
de conhecer o céu de Deus.
Lembrar que amo meus avós, meus judeus, meus queridos avós,
Mortos, sim, nesse plano estranho da terra, porém vivos em minha lembrança,
Claro, porque o caminho do trem da morte passa inevitavelmente pelo terminal da vida.
Sim, lembrar que fui amado e nunca deixei de ser amado, e que amei, pessoas boas e estranhas,
E que conheci gente ruim sim, e que fiz orações dentro da igreja Assembleia de Deus,
mesmo tendo o coração noturno de Sinagoga.
LOUVOR INEVITAVEL A IMRE KERTÉSZ
Oh, Auschwitz, terrivel Auschwitz!,
mais sem tí, Auschwitz, não teríamos tido o nosso
Querido e amado Imre Kertész.
O mais nobre, o mais jovem, o mais vivo de todos os judeus Húngaros,
Não, não acredito que
Ele tenha tido pensamentos iguais os de George Soros,
Soros, o judeu que pensa ser um deus,
É claro que todos nós somos um deus, é claro que somos,
Não somos todos, óh meu amigo Imre Kertész,
fineses, vendedores com barbas ortodoxas?
Perdoe minha canção tudesca, eu que tenho raízes sefarditas
tão distantes de sua terra pedregosa, meu amigo Kertész,
Poderias ter sido um jardineiro, não? claro, escolha muito
modesta para o teu coração filosófico, e eu não te chamo
de escritor, palavra morta que nada significa para quem
tanto trabalhou e encontrou o verdadeiro sentido da vida.
Chamo-te poeta, óh Grande Poeta Kertész.
NÃO ESTÁ NEVANDO
Viviane se levantou de manhã, preparou um pão com ovo e colocou a cafeteira na energia para saborear um café com leite antes de sair de casa. "Será que está nevando?", ela pensou consigo mesma. Foi até a janela e, escancarando ela lentamente, viu que fazia frio mas não era de todo um tempo de nevasca. Ela pegou seu pão e colocou o café na xícara com o leite, e depois ligou a televisão e sentou-se na poltrona.
Já ia se fazer doze anos que ela não via mais o rosto de João. Pensou como ele estaria depois de terem terminado seu relacionamento. João era um cara impulsivo, que odiava sua barba, odiava seu emprego, odiava tudo, menos ela, ele dizia. Ao se lembrar disso, Viviane ria. Como será que ele está agora? A campainha tocou, e ela se levantou para atender. "Estranho, não estou esperando ninguém hoje". Viviane abriu a porta e viu que quem havia tocado sua campainha era um bode morto que estava na frente de sua casa.
- Pois não?! - ela perguntou olhando nos olhos mortos do bode.
-Nada - respondeu o bode morto, sem ânimo. - Apenas vim dizer que não está nevando, pode sair de casa sem blusa de frio.
HARUKI
Haruki lançou a maçã no rio, não porque estava nervoso, nem porque queria ver a maçã longe dele, e sim porque estava fazendo um experimento para a ciência. Observou a maçã que não afundava no rio, e então anotou algumas palavras em seu diário e depois se sentou para ficar olhando a natureza que o rodeava. Uma linda mulher se aproximou dele e tocou suas costas. Haruki sorriu. Fazia tempos que não se viam. Só que para ele Ayumi não havia mudado quase nada. Quer dizer, ela estava sim diferente, pois seus cabelos estavam tingidos de verde, uma cor que ele sempre detestou. Ia fazer exatamente uns dois anos que não se viam, já que Ayumi havia sido aceita para estudar na Faculdade de Arte de Kanazawa.
- Seus cabelos estão verdes - ele disse.
- Sim, estão verdes. - Ela respondeu. - Você gostou? -
- Olha, você sabe muito bem que eu detesto a cor verde.
- Eu sei. Mas eu gostei de mudar um pouco, sair da rotina.
- Sair da rotina? O que quer dizer com isso? Por acaso sua viagem para a província de Ishikawa não foi sair da rotina?
-Ah, Haruki, você sabe muito bem o que eu quis dizer. Tome, eu te trouxe um presente.
Haruki segurou o presente nas mãos sem demonstrar nenhuma emoção.
- Fez muitas pinturas por lá?
- Eu tentei fazer algumas no estilo do Picasso... Não sei se consegui, mas o professor de artes disse que eu imito bem o trabalho de outros artistas.
-Isso é bom, não é?
-Claro. No quesito cópia, não no quesito originalidade. Veja, um besouro!
Ayumi sempre teve uma boa visão das coisas pequenas, pensou Haruki observando-a enquanto ela pegava o besouro nas mãos e sorria pra ele.
- Obrigado pelo game boy.
- Você merece mais do que isso, Haruki.
Haruki se aproximou das bochechas de Ayumi e lhe deu um beijinho bem rápido.
- Só isso?
Ele voltou e tocou seus lábios lentamente, como se estivesse tocando em uma estátua sagrada de Buda.
- Agora sim - ela disse.
A VOLTA DE BUDA
O homem desceu do trem e ficou observando o silêncio do terminal por um longo tempo. Ele usava um chapéu-coco antigo, e trazia na mão direita uma bengala de castão de prata. Sua mala estava no chão, e parecia estar cheia de papéis. O homem era um idoso, claro, pois seus cabelos brancos como a lã pareciam ofuscar a beleza da lua. Seus olhos eram azulados, e ele tinha uma expressão de águia de rapina. Foi quando um pequeno espírito do bosque se aproximou dele e sem nenhuma cerimônia disse:
- Então você voltou em?
- Claro, eu não poderia ficar lá por toda a eternidade não é.
- E como foi? Foi bom?
- Eu já estava enjoado de ouvir aqueles carecas entoando seus mantras insuportáveis no pé do meu ouvido.
- Não foi tão ruim assim, foi?
- Ah, não, claro que não. Passei um tempo muito bom dentro daquele templo. Até o imperador foi me visitar. São um povo muito acolhedor, sabe.
- Ainda bem que eles não sabem que você é indiano.
-Isso não tem nenhum problema.
- E o que você viu de tão fantástico vivendo junto dos homens?
-Olha, eu vi poucas coisas. Vi um monge muito bom pintando uma obra realmente bela. Era uma mulher sendo sufocada no amor e no prazer por dois polvos. Um era o filhote, o outro era o adulto. Fiquei extasiado com a beleza. Acho que o monge se chamava Sansetsu, não tenho certeza.
- E as mulheres?
- Meu amigo, era cada peça rara me mostrando a calcinha, pedindo para que eu abençoasse o casamento delas. Mas eu não sou nenhum kami desse tipo, não é.
-Claro que não, mestre Buda, sabemos disso.
- Então, vamos porque estou cansado. A pousada é muito longe?
- Já está tudo preparado. O lamen já está quentinho.
- E não esqueça o yakisoba. Estou cansado de comer apenas incenso e orações.
A LUA ESTAVA BELA
A lua estava bela, e então ela tocou na minha mão. Meu coração se acelerou muito, tão rápido que pensei que iria saltar da minha garganta e se tornar parte ativa do mundo existencial. Porque somos tudo, menos gotas de chuvas anônimas que caem para germinar a terra com pão. Eu sempre fui muito tímido com as mulheres, não porque nasci em uma família religiosa, mas porque eu sempre fiquei muito enfurnado nos livros de história desde que eu era pequeno, e por isso não tive tanto contacto com o gênero femino como eu gostaria de ter tido. Meu irmão mais velho, sim, era um don juan, um conquistador de araque capaz de namorar qualquer rapariguinha que se aproximasse dele. Nunca entendi esse dom, talvez os tolos já nasçam com ele por causa de sua facilidade de serem idiotas. "Toda menina que ficar comigo sozinha no quarto tem que me chupar", meu irmão dizia. E eu realmente ficava assombrado com essa falta de poesia, e no entanto era um erotismo que eu também gostaria de ter tido mais nunca tive, e então tudo isso doía meu coração, as coisas ternas e boas e na falta de uma companheira eu chorava amargamente debaixo do cobertor deitado na cama. E agora ela estava ali, do meu lado, e eu tive que me controlar e orar a Deus para que nenhum ataque de asma me afetasse naquela hora. Deixa eu dizer de uma maneira concreta e exata: o céu estava escuro, claro, porque era de noite, mais a lua aparecia branca como se fosse uma fogueira gigante acesa do céu, e muitas estrelas brilhavam no espaço, e não havia nuvens para tampá-las, e se podia avistar meteoros vagando de um lado para o outro. Eu não ligo os sentimentos as estações do ano, mas ligo os sentimentos ao mundo natural. E aquela lua me dizia impaciente para que eu a beijasse, que eu não deixasse ela escapar para outro amor. E no entanto, eu nunca considerei uma pessoa como propriedade minha, e jamais pensaria isso, porque eu via as brigas que meus pais tinham, terríveis, chegando ao ponto de minha mãe arremessar uma panela de pressão na cabeça de meu pai, e esse xingá-la amargamente de coisas que nenhuma criança deveria escutar. Com a outra mão peguei um pequeno bilhete onde eu tinha escrito um poema para ela. Ela viu meu movimento e tirou a mão de cima da minha e ficou me mirando com aqueles olhos bonitos e agateados que ela tem. Recitei o poema perfeitamente, como se eu fosse um sábio chines querendo cantar a beleza das mariposas sobre as flores do jardim do imperador da dinastia Tang. Ela sorriu, e vi uma lágrima descendo do rosto dela. Perguntei porque ela chorava, e ela disse que se lembrou do pai dela. E eu só consegui pensar, como, como assim, o poema foi pra ela, era um poema de amor, e não um poema para o pai dela. Fiquei perplexo, mas deixei as coisas como estavam. Ela se aproximou de mim com os olhos fechados, e eu vi que era a hora, e lancei um beijo sobre a boca dela, molhada por lágrimas, e então eu soube que eu era o homem dela e ela era a minha mulher. E agora escrevo recordando daquela noite. Ela já não está mais aqui, infelizmente ela partiu para o outro mundo. Mas eu vejo a fotografia dela abraçada a mim, e agora entendo porque ela se lembrou do pai dela, porque estou vendo nas caixas de recordação uma fotografia em que o pai dela aparece tendo ganhado um concurso de poesia local. Acho que isso explica tudo. Agora vou abandonar meu corpo para seguir junto dela, e quem sabe a lua esteja tão bela como naquela ocasião em que ela colocou a mão em cima da minha.
gatos
Sempre gostei de gatos. Criei ao todo cinco. Cinco gatos. O primeiro que eu criei dei um nome grande e conforme a personalidade ele, chamei ele de Futottanekotoonara. Era um gato gordinho e peidante. E eu gostava de ver ele indo de um lado para o outro de casa espalhando seu pelo branco sobre meu rosto sem nenhuma cerimônia.
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