OS DOIS TEÓLOGOS
Claro que para ambos o céu era o mesmo: estivessem de dia, com as nuvens
passando para o lado através do vento; ou estivessem de noite, com as estrelas
e os planetas que naquela tensa época ainda podiam ser adorados pelos incautos
pagãos. Não se pode firmar com certeza,
apenas por base de conjecturas formidáveis, que ambos se encontraram em um
julgamento. Cada qual tinha a base do peso da sua medida: aquele que estava no
centro do julgamento, tinha uma grande e larga barba cobrindo o seu rosto, uma
barba negra, imponente. E aquele que presidia o julgamento, também estava com
uma barba grande e negra, imponente.
De
um e de outro, todos sabiam de um pouco, já que era lógico na época supor que
todos entendiam que o sucesso e o fracasso eram a raiz da mesma moeda de ferro
coroada no meio da testa de algum rei anglo-saxão morto no meio de uma guerra
sem heróis.
Com essa
lógica era possível dizer em brados que tanto a direita quanto à esquerda são
frutos dos mesmos lados.
Ora,
um se chamava Alonso, e dizem que tinha táticas de conversações mistas, capaz
de agradar tanto reis quanto pontífices, tanto nobres quanto pobres, senhores
ricos e bispos. Por causa disso circulou-se em todos os meios que era um dos
ancestrais mais antigos da tribo de Benjamim, descendente de Abraão, no
entanto, abandonando a religião dos primitivos ancestrais, se lançara sobre a
base da fé mais elevada do Ocidente, capaz de parar os exércitos infiéis que
podiam vir por todos os lados. Tornou-se um douto sacerdote da Igreja, capaz de
condenar qualquer pessoa por heresia caso escutasse ou visse algo que
desagradassem os seus olhos de um tom esverdeado.
O outro se chamava Santiago e por
mais que viesse de uma casta mais modesta, não era conhecido popularmente pelo
povo. Disseram que gostava de estudar a alquimia em segredo, pois temia ser
descoberto. Seus sermões dentro da igreja aguçaram os ouvidos de Alonso, que
percebeu estar na presença não de um enviado dos céus e sim, de um herege que
estava ali para afrontar a fé cristã. Bastava um árabe estar ali no meio
daquele tribunal para ver a semelhança dos dois homens: pois tanto o que
julgava o herege quanto aquele que estava sendo julgado pareciam ser filhos da
mesma mãe. Até mesmo a barba negra fazia aos mais ousados e em tímidos ruídos
dizerem que Alonso, o Alto-inquisidor, era muito semelhante com o alquimista
Santiago, aquele herege que teve seu laboratório alquímico descoberto pelo
Santo Oficio religioso.
Os livros de
Santiago foram condenados ao fogo, e ele mesmo também foi condenado a perecer
nas chamas, para sempre com suas ideias e com o seu corpo. E assim triunfou
Alonso sobre o seu concorrente, já que ambos queriam o poder e a posse dentro
das ordens e ordenança da Igreja.
Mas contam os homens dignos de fé que a
disputada não terminou desse jeito, e que o julgamento foi transportado até o
Céu, e nas alturas teve inicio, após a morte de Alonso, que teve uma
desagradável surpresa ao encontrar o condenado Santiago na presença de Deus.
Ambos na frente do Soberano Altíssimo gritaram para serem ouvidos pelo Senhor,
que em um acesso extremo de um bocejo não fez questão de continuar a disputa,
apenas dizendo que para ele nada daquilo era exato.
- Senhor, como pode um herege alquimista
entrar no Vosso Reino? – perguntou Alonso.
- Senhor, como pode um homem endurecido e
perverso como esse entrar no Vosso Reino? – também perguntou Santiago.
Mas Deus que tinha
questões mais importantes para resolver e não gostava de se intrometer em
assuntos humanos, fez questão de responder a pergunta de ambos para ambos:
- Acontece que para mim nenhum nem outro se
diferem. Os dois para mim são a mesma pessoa. Tanto o condenado quanto o que
condena. E aqui encerro as vossas disputas.
Fim
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