quinta-feira, 5 de outubro de 2017

Prólogo do momento

Prólogo do momento
Deixaria neste livro/ toda minha alma.
F.Garcia Lorca

É claro que eu 
não estava ali.
Ali era sombra,
não havia luz,
não tinha nos
escuros lugares
o sol, o poente,
o mar se agitando,
a voz de Deus
estrelada com
conchinhas e marfins.
Não, eu não estava
ali, eu nunca estive.
Quem era aquele?
Aquele homem de
cabelos grandes,
aquela criança 
de voz morena?
Era eu? Apenas eu.
Morto debaixo da terra.
Por onde eu estava?
Dentro das igrejas,
bem no fundo do mar,
ouvindo os canticos
dos evangélicos,
ouvindo as vozes
dos pássaros,
cantando como os sinos,
ouvindo as dores,
sendo a alegria
e a ferrugem.
Não era eu.
Não, não era.
Pela ruas fomos
eu e ela,
ela com a face
da primavera
e eu com beijos
de fogo e mel.
E quem era ela?
Minha amada,
minha amada
de mar e terra.
Claro que eu
não estava ali,
eu estava morto,
jogado no meio
do feno, posto no
meio dos luares noturnos.
Quem era aquele
que vagava as bibliotecas,
fuçava os livros,
entrava como um
rato pelas casas
amaldiçoadas dos
velhos? Não era eu.
Não, não era.

Então eu estive nos
bares sentado conversando
com a minha sombra.
Humilde como um poeta,
levando os meus olhos
de ventos e sol,
levando minhas mãos
queimadas pelo junho,
cheio de ventos e levantes.
Não, eu não estava ali.
E mesmo assim os sinos
dissera, que eu entrava pelas
portas com ar arrogante.
Não, não entrava porque
eu não tinha a chave do dinheiro.
Pagavam tudo para o poeta.

E é claro que eu 
não estava ali.
Era apenas morte
e vida desembanhando
o céu e as ondas.

Só.

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