sábado, 14 de outubro de 2017

A chegada da morte na natureza (pequena peça)

A chegada da morte na natureza
 (pequena peça)

entram duas luas

Lua branca
Eu sei, eu sei, é o escuro,
é o silêncio, a nuvem que passa,
o sol que se levanta,
a natureza que dança.

Lua negra
Onde está a voz
da noite que chora?
Eu estava... 

Lua branca
Onde estavas?

Lua negra
Não me lembro.
O sol me tapou com as mãos.
Me cortou, me feriu, me sangrou.

as luas saem. entram a morte e a vida

Morte
Pois não?

Vida
Sou a vida.

Morte
Certo!

Vida
Que fazes aqui?

Morte
Estou vendo
as árvores serem
cortadas pelos homens.

Vida
E eu!

Morte
Vês as nascentes
de água sendo sujadas
pelos seres humanos?

Vida
Não são seres humanos.

Morte
O que são?

Vida
Comida de vermes.

Morte
Não fales assim.

Vida
É lento o inverno.

Morte
Adeus então.

Vida
Adeus morte.

Morte
Adeus vida.

se despedem. saem. entram a árvore e o pastorzinho

Árvore
Que é o amor, pastorzinho?

Pastorzinho
Não sei. Eu estava mirando
num sonho lento de gafanhoto
uma lua branca e uma lua negra
conversando.

Árvore
E o que falavam de tão interessante?


Pastorzinho
A morte e a vida
também apareceram
no papel do meu coração.

Árvore
Não te creio, Pastorzinho.


Pastorzinho
Não me crês? Eu creio em Cristo!

Árvore
O que falava de tão interessante
a morte e a vida?


Pastorzinho
Uma e outra se odeiam.

Árvore
Não te creio, Pastorzinho.


Pastorzinho
Não me crês? Eu creio em Cristo.

Árvore
O que diziam?


Pastorzinho
Que a vida e a morte
ferem a natureza.

Árvore
Te creio, agora, remanso de campo.


Pastorzinho
E que os homens ferem as árvores
com machadinhos e os rios com feridas;

Árvores
Te creio.


Pastorzinho
Sou homem.

Árvore
O que fazes?


Pastorzinho
Te firo.

A Árvore cortada cae sangrando, morta. 
O  Pastorzinho recita o poema que se segue:

-Nasceu e morreu
a árvore do meu jardim.
Fiquei só com a madeira
que cortei só para mim.
Tombou as folhas dos galhos,
nas eras que se seguem,
luares negros e luares claros,
vida e morte, sinfonias serenas.
Machadinhos que ferem
bem fundo o sangue da madeira.

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