Mirei meu rosto no espelho, e como se uma flecha me atingisse o coração, comecei a elaborar uma poesia para uma publicação sem importância da escola. Ainda era noite, umas três ou quatro da manhã se não me engano. Tomava um copo de leite quente, refletia no papel alguma angústia que estava tendo nesse momento, algo que estava prestes a acontecer, Uma espécie de contemplação pessoal de algum problema doméstico: um enorme rato saiu de trás da geladeira elétrica e me observou por alguns segundos, com grande interesse. Era imenso, tinha uma longa causa, e imensas orelhas. Se Feliciano estivesse junto comigo, teria dito que esse rato era algum parente próximo do Mickey Mouse, vivendo no desconforto das sujeiras e imundices da América do Sul. Fui o primeiro a tentar puxar assunto, afinal, só estávamos eu e o rato acordados. Ele observava com grande interesse o meu copo de leite, e supus que ele estivesse com sede. Ofereci-lhe o copo, deixando perto de suas mãozinhas, que pareciam duas conchas de pegar feijão, de tão estranhas que eram. Num gesto nobre, mais esnobe, ele balançou a cabeça, em sinal de que não queria experimentar ou tomar o leite. Sou um rato detetive, me confessou, e senti um grande alivio. Não é sempre que conseguimos ter uma conversa com ratos detetivescos em nossas casitas de madeira ou tijolos. Ele me disse que estava atrás de uma espécie de assassino alemão, que depois do rendimento da Alemanha na segunda guerra mundial, estava se escondendo no Brasil. Ora meu bom detetive, falei, nessa hora esse assassino deve estar morto ou talvez tenha mudado de nome, e nem esteja mais aqui nesse país. O imenso rato detetive me observou com a leveza dos seus olhos negros, tirou um rádio e com uma linguagem secreta, disse alguma coisa que não consegui entender. Absorto, mirei-o o imenso. Depois pediu para que eu lhe colasse um copo de leite, para que tomasse. Não sabia que era costume dos ratos tomarem leite em copos limpíssimos. Desejei uma boa sorte para ele, antes de ele voltar para sua base, debaixo da geladeira. Depois de escrever o poema que eu iria publicar no jornalzinho medíocre da escola, apaguei a luz do banheiro depois de uma excelente mijada, escovei os dentes e fui dormir.
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