quinta-feira, 12 de novembro de 2020
domingo, 8 de novembro de 2020
... Eu sentei e chorei...
... Eu sentei e chorei...
A margem do mar cinzento
Cantei lenta canção.
Com atenção, ouviu-me o vento,
Batendo palmas sem emoção.
A margem do mar cinzento
Construí um castelo de marfim.
Pulsava a minha alma com entendimento,
Chorando do Éden o fim.
A margem do mar cinzento
Eu sentei e chorei.
Meu sonho acabou com discernimento,
Despertando meus olhos como um rei.
terça-feira, 3 de novembro de 2020
O TRABALHO DE UM ESCRITOR É SOLITÁRIO
O
TRABALHO DE UM ESCRITOR É SOLITÁRIO
O trabalho de um
escritor é uma profissão solitária. Sentar-se em frente ao papel branco, ter a
sua frente uma caneta de qualquer cor (as minhas preferidas são as cores azul
ou preta), é um momento místico e glorioso.
O mundo inteiro tem
escritores. Um escritor, para mim, é aquele que escreve. Muito bem colocado!
Agora façamos a pergunta certa: o que é que ele escreve?
Cada pessoa nesse
planeta chamado Terra tem um destino e algo que o seu interior pulsa para pôr
para fora. Os escritores para mim, na minha humilde opinião, colocam no papel
branco sua alma. É a alma do escritor que aparece sobre as páginas do que vai
compor a existência física do seu livro (esse objeto tão místico e atemporal).
Em formas
múltiplas de crônicas, contos, poemas, romances, frases, piadas, diários, o
escritor se coloca como a palavra.
Isso para muitos pode parecer uma maluquice.
Claro, que dizer que essas coisas espirituais sejam difíceis de entender pela
lógica humana já é lugar comum para os teólogos. Felizmente eu não sou um
teólogo.
Basta pensarmos no
processo descrito no livro bíblico onde Deus criou o mundo apenas dizendo
“haja”. Foi à palavra o principio de tudo (fato também descrito no Evangelho de
João, o mais hermético de todos os evangelhos; e no livro dos Provérbios).
A palavra se torna a
ferramenta de trabalho do escritor, assim como para o agricultor o importante é
sua enxada e suas sementes, para o escritor as palavras tornam-se suas sementes
e a caneta (ou a máquina de escrever, ou o computador) torna-se a enxada do
trabalho do escritor.
Não sei qual foi o escritor russo que disse que escrever é
adentrar ao fundo de um lago congelado, retirar de lá o mais belo e precioso
peixe, e daí assá-lo no fogo e se saciar quentinho deitado na coberta feita com
a pele de um urso marrom.
Acho que não existe metáfora mais linda para descrever o
processo de escrita como trabalho, a não ser essa.
O escritor senta-se solitário e junto com o seu
conhecimento, com o seu aprendizado, com a sua memória, assim como uma aranha
nasce para tecer teias, o escritor nasce para tecer palavras.
Veio na mente outra linda metáfora ao processo do ser “escritor”.
Como foi Federico Garcia Lorca, grande poeta e dramaturgo espanhol quem compôs
essa frase, deixo-a aqui para que vejam a beleza exata da poética explicativa
de quem nasce para escrever: “eu nasci poeta assim como aquele que nasceu
cego”.
Sei que com isso um escritor pode erguer o peito e gritar
para os quatro ventos que percorrem todo o planeta: “eu nasci escritor assim
como aquele que nasceu cego”.
A arte solitária de escrever lembra os processos de uma
pintura; é preciso lutar com a tinta para que a figura apareça sobre a tela
branca. E é assim que o escritor faz com o seu pincel, que é a caneta. Ele
força a raiz da palavra, ele traz a palavra para respirar ares novos, ele cria
mundo, ele desfaz mundos, o escritor é um homem como qualquer outro: ele ri,
ele canta, ele grita, ele briga, ele chora.
Escrever é um trabalho solitário. Mas repartir os frutos do
trabalho, é esse o dom precioso e profético de todo escritor.
_
O Momento de Sophia - conto fantástico
O Momento
de Sophia
Conto
fantástico
Sophia estava no seu
apartamento ouvindo música clássica quando sentiu uma leve dor de cabeça
percorrendo sua nuca. Levantando-se do sofá onde estava deitada ela foi até o
aparelho de som e o desligou. Olhou o relógio um pouco com dificuldade, porque
a luz do sol estava fraca, e ela não tinha acendido a luz. O relógio apontava
sete horas da noite. Ela deu um leve suspiro de tranquilidade e pensou: “Ainda
bem que hoje é o meu dia de folga do serviço, e eu não tenho nenhum
compromisso. Posso relaxar com tranquilidade”.
Deu alguns passos lentos pelo apartamento e
parou um pouco. Sentiu uma súbita vontade de vomitar um coelho de pelúcia do
seu estômago para fora. Assim como a vontade veio com uma rapidez sinistra,
assim ela passou.
“Não aguento mais ficar vomitando coelhos pelo apartamento”,
pensou Sophia com um leve suspiro de tristeza. “Os coelhos são animais muito
bonitos, pequenos e fofos. Mas dão um grande trabalho quando eu começo
vomitá-los por aqui”.
O vento frio entrou pela janela que estava
aberta, e Sophia resolveu ir fechá-la. Ao ficar de frente da janela olhou para
baixo e viu que o tráfego estava muito agitado. Como ela vivia no nono andar e
seu prédio ficava em uma das ruas mais movimentadas de São Paulo, Sophia sentia
uma espécie de alívio de seus vômitos e regurgita-mentos sempre que olhava da
janela esquerda de seu prédio para baixo. “Puxa vida!”, Sophia exclamou com sua
voz aguda e fina quando olhou para as cortinas de cor negras que tremulavam com
o passar forte do vento que entrava pela janela. “Não percebi que me esqueci de
trocar as cortinas. Vou trocar agora essas cortinas de cor pretas pela cortina
que ganhei de presente de mamãe. Não sei por que, a cor preta sempre deixou o
ambiente desse apartamento bem modernizado. Pelo menos eu acho que fica
assim".
Sophia observava a
capela de uma igreja católica romana que havia perto de sua casa. Sentiu que um
grande vômito estava prestes a sair da sua boca. Foi aí que ela forçou um
engolir seco da garganta, pois sentiu um calafrio terrível pelo seu corpo ao
pensar que poderia vomitar um tigre de cima daquela janela.
Não seria a primeira vez
que ela deixava de vomitar coelhos e passava a vomitar animais que em
circunstancias comuns do seu dia-a-dia ela jamais sentiu a necessidade de
conhecer o nome ou a existência. A primeira ocorrência que deu um grande susto
foi quando na loja de sua irmã onde ela trabalhava como subgerente ao vomitar
assustou todas as clientes que estavam comprando as roupas de grife francesa
que sua irmã importava de maneiras escusas da Europa. Uma imensa sucuri do
tamanho de um grande boi se movimentava de um lado para o outro, como se
perguntasse o que estava fazendo ali, deslizando no chão limpo e escorregadio
que a loja tinha.
Os seguranças do shopping não quiseram se meter, já que a cobra
podia ser muito bem apenas fruto da imaginação das cocotas que gritavam
histéricas em grupo na frente da loja de roupas.
_ Meus senhores – Sophia disse constrangida. – Vomitei essa
cobra quase agora, antes do almoço. É uma terrível consequência que eu tenho
desde os tempos que eu era menina. Uma vez na casa de campo de meu avô fui dar
de explorar todos os cantos daquela imensa casa, e sem querer me deparei com
algumas fadas irlandesas que estavam invocando algum tipo de feitiçaria antiga
no corredor do último andar de todos os quartos da casa. Elas me disseram que
não era pra contar a ninguém o fato que eu presenciara. Caso isso acontecesse,
a minha língua se transformaria em pedra. Claro que não acreditei em uma palavra
do que elas disseram. Meu avô nasceu na Irlanda do Norte, e ele sempre me
ensinou que fadas são mentirosas, e gostam de roubar crianças.
_ Sendo assim
desobedeci a ordem que me foi imposta, e contei para a minha irmã Karoline o
que eu tinha visto. Como a minha língua de maneira nenhuma tinha se
transformado em pedra, achei que o que tive na verdade foi fruto de algum
delírio, ou eu estava sonhando e andando sonambula pela casa, afinal eu era
muito pequena.
_ Foi então que recebi a visita de uma fada que trajava uma
roupa escura, roxa. Meu corpo começou a tremer todo, e eu não pude ver com
clareza o rosto dessa fada, então não posso descrevê-lo assim como faria
qualquer pessoa normal. E essa fada me disse que a partir daquele dia em diante
por ter desobedecido a ordem da rainha das fadas irlandesas eu passaria a
vomitar animais pela boca. Foi isso o que aconteceu, por isso peço que chamem
rapidamente a policia ambiental para pegarem essa cobra, e espero que guardem
em segredo tudo o que contei para vocês.
Sophia fechou a janela
com rapidez. Tirou as cortinas pretas e colocou-as para lavar. Olhou as horas
outra vez e decidiu que não ia ouvir mais música clássica. Pegou o celular e ligou para uma pizzaria.
Antes de o entregador chegar com sua pizza de calabresa e queijo, deu tempo de
vomitar dois pequenos coelhinhos, que saíram de sua boca saltitando por todo o
apartamento.
Sophia se levantou e foi
até a estante cheia de livros e pegou para ler o livro “A metamorfose”, de
Franz Kafka. Chegou até as últimas páginas soluçando de lágrimas, dizendo: Eu
entendo! Eu entendo!
No dia seguinte, quando o
sol começou a iluminar o apartamento onde Sophia morava, seu corpo foi
encontrado morto. O único fato que deixou sua irmã, os policiais (e os
seguranças do shopping) arrepiados era o fato de que sua língua tinha se
transformado em pedra. E um coelho muito triste estava ao lado do seu corpo.
fim
O CHIFRE DO ÚNICORNIO - conto fantástico-
O CHIFRE DO
ÚNICORNIO
-Conto fantástico-
Se Sara
soubesse que eu estava carregando na bolsa de couro que fora presente de meu
avô paterno, Jorge Abrãm, o chifre de um unicórnio morto há uma semana no Irã,
ela não teria me feito as perguntas que me fez ao me ver entrando correndo
exausto para dentro de casa. “Por que toda essa pressa, primo”? Quero usar o
banheiro o mais rápido possível, disse, mesmo certo que ela não aceitaria a
minha resposta ríspida. Desde que tínhamos uma idade adequada para frequentar a
escola Sara era a mais rápida e a mais atrevida das meninas Como tínhamos a
mesma idade e éramos primos acabamos estudando na mesma escola. Minhas calças coladas e minhas
camisetas de desenho de dinossauros eram motivos de chacota e risos por parte
das outras crianças Claro que isso motivava a minha prima a me defender.
Crescemos juntos. Até a
época da descoberta do sexo pela minha parte (claro que ela já tinha
experimentado sua primeira relação sexual), jamais fui capaz de vê-la com
outros olhos, a não ser os olhos de um inofensivo primo que dependia da prima
para se defender de certos valentões.
Minha tia, Tereza, teve
quatro filhas. Isso do segundo marido, porque com o primeiro marido ela teve
apenas Sara. O pai de Sara teve uma morte perturbante, ainda quando morava com
tia Tereza. Por causa disso minha prima sempre teve uma relação muito
perturbada com minha tia, que com toda certeza era uma mulher muito antiquada e
controladora. O seu segundo marido morreu repentinamente de um acesso de tosse,
expelindo pela grande boca seca e moribunda uma dose desnecessária e abundante
de sangue, lambuzando o leito em que estava deitado de cor rubra, manchando os
lençóis brancos. Essa morte fez com que um pequeno chiste ingênuo (porém perigoso)
começasse a rondar pela família Abrãm. O chiste dizia que fora minha tia,
Tereza Abrãm, quem tia acabado de matar seu segundo marido, assim como o
primeiro. Quem começou a anedota mortífera foi o meu tio Josef. Vale apena
descrever um pouco sobre o meu tio, que em poucas palavras era um homem
bonachão e bem humorado, capaz de contar quarenta piadas em menos de uma hora,
isso sem piscar ou parar para tomar um copo de água para recuperar o folêgo. Minha
prefêrencia por tio Josef que era irmão de minha mãe e de tia Tereza era
crucial para mim levar em frente o meu passatempo predileto de escrever piadas
em um velho caderno que comprei em uma loja armênia perto da loja de meu avô,
que era um comerciante de relógios e pedras preciosas. A imprudência que aos meus olhos foi uma
grande ousadia de tio Josef acabou custando caro, pois uma fofoqueira que ouviu
a piada contou-a para minha tia, que de certo ficou chocada e acabou acertando
a testa de tio Josef com uma grande faca.
Penso agora de frente a
essa janela onde escrevo essas linhas que talvez minha prima não teria me
chamado de mentiroso caso eu tivesse contado para ela que o chifre de unicórnio
foi a última prova física da existência de um unicórnio legitimo. Essa criatura
desde que comecei a faculdade de estudos sobrenaturais me fascinara desde o
tempo em que com quatorze anos de idade peguei uma edição de um poeta grego que
ilustrava seus poemas com imagens de unicórnios. Por ser filho de um homem
capaz de citar de traz para frente o nome da maioria dos animais e dinossauros,
planetas e invenções humanas, fiquei
encantado como que enfeitiçado pelo misterioso chifre da criatura cavalar que
tinha o porte de um cavalo grande e, com toda certeza, um pouco maior que um
equino contemporâneo. Gostei das barbas que se assemelhava a um mago irlandês
que encontrei há muitos dias na cidade de Dublin. Por isso quando Franklin chegou e entrou o meu escritório com os olhos brilhando de
uma emoção nunca vista antes na face de um ser humano, achei que ele estava
recebendo na alma a visita do Espírito Santo.
“Acabei de chegar do
Irã”, Franklin falou com a voz um pouco pausada, “você não vai imaginar o que
os iranianos encontraram”.
“Por acaso eles
encontraram um modo eficaz de produzirem uma bomba atômica?”, tentei brincar, “e
você se apressou a vim até aqui para me dar a notícia de que Rússia, Estados
Unidos, China, Inglaterra e França vão fazer uma coligação internacional para
atacar a terra do Irã para que não haja uma terceira guerra mundial, o que, com
efeito, vai gerar a terceira guerra mundial, levando a todos do planeta terra
perecerem apenas ao apertar de um simples botão eletrônico”.
Franklin não esboçou
nem sequer um sorriso para mim. Claro que recordando agora aquele momento não
tinha sido sensato zombar de um jovem menino alegre, tenaz e curioso, que
acabava de vir até mim para me dar uma notícia boa e chocante.
“Não é nada disso, seu
estúpido”, Franklin me respondeu, “os iranianos acabaram de encontrar um chifre
de unicórnio perto da cidade de Bagdá, a escavação começou perto de um lugar
onde os paleontólogos pensavam que iriam encontrar os ossos de alguma baleia
milenar da época dos dinossauros, quando aquela região inteira havia sido
submergida pelo mar, assim como a Atlântida antiga, e agora eu te dou pressa
para ir até lá para ver o seu tão precioso chifre”.
Como eu bem supus na
minha vinda de avião até São Paulo, Sara não quis sair da frente da porta para
que eu pudesse subir até o meu quarto.
Ela necessitava ver as coisas. Depois que tia Tereza desapareceu e foi
encontrada morta com uma bala de revólver na cabeça, muitas pessoas na cidade
começaram a acusar tio Josef de ser a pessoa por traz do terrível assassinato.
Por mais que ele pudesse ter motivos justificáveis para o cometer de um crime
desses, pois não é atoa que sentimentos ruins brotem de pessoas que levem uma
faca no meio da cabeça, tio Josef foi inocentando pelo fato de que no dia em
que ocorreu o crime contra tia Tereza, ele se encontrava em Londres fazendo uma
apresentação cômica em um espetáculo particular que lhe rendeu muito dinheiro.
Quando o fantasma de tia Tereza começou a
aparecer pelos corredores da casa, alguns membros da família achavam
injustificáveis a presença de uma morta, e que por isso começaram a se mudar
para outras cidades e outros países. Foi
na quarta-feira depois que cheguei da faculdade junto de Sara que me encontrara
por acaso na saída, que vimos juntos o fantasma de tia Tereza.
Segurei forte a mão de
minha prima quando vi o rosto deformado e vermelho da morta, que agora parecia
mais assustador do que fora, já que onde havia um nariz grande e aduncado na
semelhança de um falcão só se podia ver um buraco grande e negro, os olhos tão
bonitos de minha tia deram lugar a dois olhos vazios e opacos, e no meio da
cabeça podia se ver com total clareza o local da bala onde tia Tereza tinha
sido acertada pela arma. As mãos ossudas e ocas pareciam querer abraçar Sara,
mais quando a fantasma tentava se aproximar um forte vento a empurrava para
traz, como que evitando o contato entre os vivos e a morta, o que de certo é
algo decente, já que não tínhamos nada haver com a morte de tia Tereza.
“Quem fez isso com a
senhora, mãe?”, ouvi a voz de Sara ecoando pelo corredor que parecia parado no
tempo.
As mãos ossudas se
levantaram e o que antes fora um dedo apontou para um delicado quadro que
estava na parede. O fantasma estava apontando para a irmã do segundo marido.
Meus braços se arrepiaram. Por mero acaso do destino no dia seguinte a irmã do
segundo marido de minha tia Tereza foi presa pela policia que encontrou uma
pistola manchada de sangue no seu quarto. Nunca mais viram o fantasma de minha
tia, que de certo ficou em paz.
Mostrei o chifre do
unicórnio para a minha prima que ficou com os olhos maravilhados, e disse
apenas:
“Como se parece com um diamante.”
Também acho que se
parecia muito com um diamante. No dia seguinte liguei para um colecionador
americano de objetos raros, um
riquíssimo judeu da Califórnio, que fez questão de buscar pessoalmente o chifre
do unicórnio iraniano. Quanto a mim continuo cuidado da loja de relógios e
pedras preciosas de meu avô. Amanhã volto para o Brasil. Espero que Sara não me
atrapalhe a subir com os ovos de dragões que carrego na minha mochila, presente
de meu avô paterno, Jorge Abrãm.
Fim